Já faz mais de 50 anos que os antimicrobianos, também conhecidos como ATM, são utilizados com sucesso na produção animal como promotores do crescimento e para prevenção e tratamento de doenças em suínos.
Porém, nos últimos anos o impacto dessa prática está sendo amplamente debatido. Isso porque, independente do seu benefício, o uso indiscriminado do ATM e o rápido surgimento de patógenos vem ocasionando resistências, apontando para a necessidade do uso prudente destes produtos.
Por isso, nos últimos anos vem aumentado a pressão para que o uso de antimicrobianos na suinocultura seja reduzido. Mas será que estamos realmente preparados para isso? Quais as alternativas reduzir a carga microbiana em suínos?
Para entendermos essa restrição no uso de antimicrobianos e as alternativas para reduzir a carga microbiana em suínos, conversamos com Jalusa Deon Kich, pesquisadora da Embrapa Suínos e Aves.
Objetivos do uso de antimicrobianos em suínos
Na produção de suínos, os antimicrobianos são utilizados com basicamente dois objetivos:
- Controle de doenças bacterianas capazes de afetar o potencial de produção;
- Algumas moléculas antimicrobianas adicionadas à ração em concentrações menores que funcionam como promotores de crescimento;
Estes produtos com características antimicrobianas são comumente adicionados à ração ou à água, além de serem administrados de forma injetável em animais clinicamente afetados.
Apesar de serem eficazes, Jalusa salienta que todo antimicrobiano deve possuir um período de carência definido na bula e no registro do produto. “Este período define com que antecedência ao abate o tratamento deve ser encerrado, para não deixar resíduos na carne”.
A pesquisadora explica também que este período é fiscalizado pelo Serviço de Inspeção Federal pela avaliação das informações que constam no boletim sanitário do lote de suínos no pré-abate.
Já o uso das moléculas promotoras de crescimento está submetido à regulamentação e sua liberação ou proibição leva em conta questões relacionadas a saúde pública e animal.
Resistência à antimicrobianos. Por que é um problema?
A resistência antimicrobiana adquirida é um processo que ocorre naturalmente nas bactérias, onde uma alteração genética faz com elas resistam a um determinado antimicrobiano, ao qual eram sensíveis anteriormente.
O uso dos antimicrobianos acaba selecionando populações resistentes. Esse fenômeno acontece tanto na clínica individual humana quanto animal, além da produção vegetal e animal, como é o caso da resistência à antimicrobianos na produção de suínos.
A pesquisadora da Embrapa Suínos e Aves explica que essa resistência pode ocasionar problemas em dois aspectos. Primeiramente Jalusa cita o surgimento de cepas resistentes que limitam o tratamento das doenças.
“Algumas situações podem ser bastante críticas, quando poucas moléculas estão disponíveis para combater determinados patógenos”, diz.
A outra questão citada está relacionada com a saúde pública, uma vez que as bactérias resistentes se tornam portadoras e transmissoras de “elementos de resistência” podendo alcançar o homem por contato e/ou alimentos.
Adotar boas práticas é essencial
A produção de carne suína representa um dos sistemas que mais utilizam antimicrobianos. Isso ocorre em razão dos fatores relacionados aos modelos de produção, caracterizados pela alta densidade animal, mistura de leitões de diferentes leitegadas e diferentes origens e presença de vários outros fatores de riscos nos rebanhos.
Tais fatores criam condições favoráveis para a manifestação de doenças, indicando a necessidade dos antimicrobianos. Porém, com o tempo estes podem ocasionar algum tipo de resistência.
Por isso, a pesquisadora da Embrapa ressalta que não se pode esquecer que o uso adequado de antimicrobianos e as boas práticas em relação aos seus resíduos devem ser implementados em todos os setores.
“O risco de focarmos a solução do problema em apenas um setor - a produção de alimentos - é limitar o sucesso do controle da resistência como almeja a Organização Mundial da Saúde”, opina Jalusa.
Por isso a pesquisadora indica que o Ministério da Saúde e o Ministério da Agricultura estão trabalhando de forma colaborativa no Plano de Ação Nacional de Prevenção e Controle da Resistência aos Antimicrobianos no Âmbito da Saúde Única 2018-2022 -PAN-BR.
Priorize a garantia de qualidade para reduzir a carga microbiana na suinocultura
Algumas podem ser as medidas para reduzir a carga microbiana na suinocultura, mas a pesquisadora da Embrapa indica que a primeira e mais correta forma de realizar isso é possuir um programa de garantia da qualidade eficiente, que estabeleça os procedimentos, monitore e corrija os desvios.
Jalusa explica que em dezembro do ano passado, o Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (DIPOA) definiu critérios microbiológicos para carcaças suínas por meio da IN60.
“Nesta instrução normativa foi estabelecido metas para Salmonella e enterobactérias, estas últimas retratam a contaminação fecal ao longo do processo de abate”.
Para alcançar estas metas é necessário que toda a sequência de processos funcione e impacte em resultados satisfatórios de contaminação superficial de carcaças, que, por sua vez, devem se refletir na carga bacteriana da carne.
É preciso salientar ainda que existe certa relação inversa entre o uso dos antimicrobianos e o tamanho das granjas. De forma geral, quanto maior o número de animais por granja, maiores serão os desafios sanitários, assim como maiores serão as necessidades de utilização de ferramentas preventivas de controle de enfermidades.
Neste contexto, muitas são as opções tecnológicas “limpas” que podem ser adotadas, mas estas não conseguem “compensar” a falta de boas práticas.
“A redução da carga bacteriana com o uso de tecnologias até ocorre, mas é “pequena” e deve ser encarada como algo complementar e não como a solução do problema”, finaliza a pesquisadora.