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Regulamentação da carne cultivada: qual é o cenário atual?

Também conhecida como carne de laboratório, a carne cultivada é produzida a partir de células animais. No Brasil, a Anvisa publicou uma lei que regulamenta o registro desse tipo de alimento a partir de 2024. Confira um panorama completo sobre a carne sintética.

A carne cultivada, também conhecida como carne de laboratório, carne sintética ou carne artificial, está revolucionando a indústria alimentícia ao oferecer uma alternativa mais sustentável à carne tradicional.

Neste conteúdo, descubra o que é carne cultivada, como ela é produzida, suas vantagens e os desafios regulatórios que enfrenta ao redor do mundo e no Brasil.

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O que é carne cultivada em laboratório?

Carne cultivada é a carne produzida a partir do cultivo de células animais em um ambiente controlado, como um laboratório, ao invés do abate de animais. 

O processo envolve a reprodução de células musculares, gordura e outros tecidos vivos para criar um produto que se assemelha à carne tradicional em textura, sabor e valor nutricional.

Como? A partir da retirada de amostras de vacas, galinhas, suínos e peixes, entre outros animais. A ideia é recriar partes das carnes, sem a necessidade de criação e abate. 

Como a carne cultivada é feita no laboratório?

Em resumo, há 4 etapas do processo de produção da carne de laboratório:

  • coleta de células;
  • proliferação em biorreatores;
  • diferenciação celular;
  • estruturação em suportes.

1. Coleta de células

O processo de produção de carne cultivada começa com a obtenção de células-tronco de um animal. Essas células são cultivadas em um meio de cultura rico em nutrientes que promove seu crescimento e diferenciação em células musculares e adiposas. 

Há dois tipos de células que podem ser utilizados nesse processo:

  • as células primárias, cultivadas nos tecidos dos animais;
  • linhagens celulares, adaptadas para permanecerem em cultura por longos períodos, podendo ser cultivadas várias vezes;

O objetivo é selecionar, validar e congelar essas células em pequenos lotes, permitindo seu uso gradual ao longo do tempo, sem a necessidade de novas coletas.

2. Proliferação em biorreatores

Utilizam-se biorreatores para proporcionar as condições ideais para o crescimento celular em larga escala. Com o avanço das tecnologias, há experimentos com impressoras 3D para estruturar a carne de maneira a imitar cortes específicos, como bifes.

3. Diferenciação celular

Após a coleta, as células são isoladas e cultivadas em um meio de cultura apropriado. O meio é fundamental para o processo de produção de carne cultivada, pois pode influenciar a eficiência do crescimento celular e as características finais do produto. 

4. Estruturação

Nesse processo, as células precisam estar alinhadas em forma de fibras para que a carne seja produzida naturalmente como a carne convencional. Por isso, são utilizados suportes para estruturação, como scaffolds e microcarregadores.

Esses sistemas oferecem suporte mecânico e porosidade para a troca de nutrientes, além de fornecerem estrutura e textura semelhantes às da carne convencional.

Biomateriais sintéticos e naturais têm sido utilizados na bioengenharia de tecidos como suportes para estruturação. Exemplos desses materiais incluem colágeno, celulose, folhas de espinafre descelularizadas e soja texturizada.

Após esse processo, a carne é coletada para processamento em produto, seja carne de hambúrguer, empanada, cortes inteiros, entre outros.

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Qual é o diferencial desse tipo de alimento em comparação às carnes tradicionais?

cientista com luva azul segurando carne cultivada em laboratório

A carne cultivada promete reduzir significativamente o impacto ambiental associado à pecuária tradicional, que inclui o uso extensivo de terras, água e a emissão de gases de efeito estufa. 

Além disso, elimina a necessidade de abate de animais, alinhando-se com práticas de bem-estar animal.

Outro ponto que fortalece o diferencial da carne cultivada e sua sustentabilidade é a sua capacidade de produção em qualquer lugar, reduzindo a necessidade de importação de carne pelos países. 

Vantagens da carne de laboratório

Empresas que investem nesse setor adquirem e oferecem ao consumidor uma série de benefícios, dentre eles:

Sustentabilidade

Menor uso de recursos naturais e redução na emissão de gases de efeito estufa.

Com a carne cultivada, a promessa é que esse número seja muito menor, reduzindo a poluição agrícola e da pecuária, atualmente responsável por 15% das emissões globais de gases de efeito estufa.

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Bem-estar animal

Estima-se que mais de 70 bilhões de animais terrestres são abatidos para alimentar os seres humanos, anualmente. A introdução da cultura da carne cultivada na sociedade é grande auxiliar na redução desses números.

Eficiência produtiva

A carne de laboratório tem potencial para uma produção mais consistente e escalável, sem as variações da criação animal.

Apesar da eficiência produtiva, a produção de carne cultivada é mais cara do que a produção de carne tradicional. Altos custos com insumos e equipamentos são alguns dos fatores que justificam esses valores.

Em entrevista ao portal Food Connection, o Doutor e Mestre em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, João Almeida, diz que “quando os processos de produção estiverem bem estabelecidos, a carne cultivada será produzida de forma semelhante ao que hoje se faz para produzir cerveja, com custos bastante reduzidos”.

“Para se ter uma ideia, fazer o primeiro hambúrguer de carne cultivada em laboratório, pelo Dr. Mark Post na Universidade de Maastricht, na Holanda, em 2013, teve um custo aproximado de 325 mil dólares, incluindo o desenvolvimento do meio de cultura celular, a infraestrutura laboratorial necessária e o processo de crescimento e diferenciação das células musculares. Hoje, os valores ainda variam dependendo da empresa e da tecnologia utilizada, mas estima-se que o custo de produção de um hambúrguer de carne cultivada esteja entre 10 e 50 dólares”, completa.

Segurança alimentar

Autor do artigo “Carne Cultivada em Laboratório e Sustentabilidade”, publicado no e-book “Bioética em Debate”, João Almeida reforça que “a maior vantagem do cultivo em laboratório é o controle sobre as propriedades do produto final”. 

“De uma forma geral a carne pode ser mais saudável, controlando-se o teor de gordura ruim presente na carne convencional, além de se acrescentar gorduras mais saudáveis, como ácidos graxos e ômega-3. Além disso, outros aditivos, como proteínas vegetais, aminoácidos essenciais e vitaminas podem tornar o consumo de carne melhor para a nossa saúde”.

A carne cultivada já pode ser consumida?

A carne cultivada pode ser consumida, mas com algumas restrições. A venda de carne cultivada já foi aprovada em alguns países. Em 2020, Singapura foi o primeiro país a permitir a comercialização de frango cultivado em laboratório, e nos EUA, a carne de frango produzida em laboratório também recebeu aprovação em 2023.

Outros países, incluindo Israel, Suíça e o Reino Unido, estão em processos avançados de regulamentação.

linha do tempo da carne cultivada no Brasil e no mundo

Regulamentações ao redor do mundo

cientista mexendo em carne cultivada com pinça

A regulamentação da carne cultivada varia de país para país, mas geralmente envolve garantir a segurança alimentar, a transparência na rotulagem e a padronização dos processos de produção.

Veja onde o processo já está mais avançado e como alguns dos principais mercados ao redor do mundo estão lidando com a regulamentação da carne cultivada.

Singapura

Pioneira na regulamentação, Singapura aprovou a venda de carne cultivada em 2020, a partir da autorização concedida a foodtech americana Eat Just para comercialização de isca de frango de laboratório.

Em dezembro de 2019, a Singapore Food Agency se tornou o primeiro órgão regulador do mundo a aprovar a venda de carne cultivada. 

Já em agosto de 2022, a agência anunciou a revisão de suas diretrizes para agilizar o processo regulatório e facilitar a entrada de novos produtos no mercado.

Segundo a Singapore Food Agency, para uma empresa comercializar carne de laboratório, os produtos devem passar por avaliações de segurança e atender a requisitos específicos de rotulagem. 

Estados Unidos

Nos Estados Unidos, a regulamentação da carne cultivada é supervisionada em conjunto pelo Departamento de Agricultura (USDA) e pela Food and Drug Administration (FDA). Em março de 2019, essas agências anunciaram uma estrutura regulatória conjunta. 

O FDA supervisiona a coleta de células, bancos de células e crescimento celular, enquanto o USDA cuida da produção e rotulagem dos produtos alimentícios derivados da carne cultivada. O USDA também realiza inspeções nas instalações de produção e exige que as empresas enviem amostras para testes.

Em junho de 2022, essa estrutura regulatória foi ampliada para incluir produtos derivados de células de aves. Novas orientações sobre rotulagem foram divulgadas, exigindo que as empresas utilizem termos específicos como “cultivado em células” ou “cultivado”.

Já em 2023, os Estados Unidos foram o segundo país a aprovar a venda da carne de frango cultivada, depois de Singapura.

Israel

Agora em 2024, o Ministério da Saúde de Israel aprovou a comercialização de carne bovina cultivada. Os produtos devem passar por avaliações de segurança e atender a requisitos específicos de rotulagem, além de obter uma licença do Ministério da Saúde.

Em setembro de 2022, Israel anunciou um programa piloto para testar a segurança e a eficácia dos produtos cultivados, envolvendo testes de diferentes tipos de produtos cárneos e monitoramento das percepções dos consumidores.

Israel é lar de empresas inovadoras como Aleph Farms, que desenvolveu o primeiro bife baseado em células em 2018, e Meat-Tech 3D, a primeira empresa de carne cultivada listada publicamente.

Em 2023, o país foi o primeiro a aprovar a venda de carne bovina de laboratório por meio da Aleph Farms. 

Europa

A União Europeia (UE) estabeleceu em 2018 uma estrutura regulatória para novos alimentos – incluindo a carne cultivada. 

Segundo a regulamentação, qualquer alimento que não tenha sido consumido de forma significativa na UE antes de maio de 1997 é considerado um novo alimento e deve passar por uma avaliação de segurança antes de ser comercializado.

A Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) é responsável por essa avaliação. Assim, nenhum produto de carne cultivada pode ser comercializado na União Europeia sem a autorização da EFSA. E, posteriormente, a aprovação da Comissão Europeia, responsável pelo gerenciamento de risco, que pode ser influenciada por questões políticas e éticas. 

Alguns países europeus ainda apresentam resistência à carne cultivada, como é o caso da Itália, cujo governo propôs, em março de 2023, uma lei que proibisse alimentos e rações fabricados a partir de culturas de células ou de tecidos derivados de animais.

Em julho de 2022, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução pedindo à Comissão Europeia que se estabeleça uma estrutura legal para a produção e rotulagem de carne cultivada, enfatizando a necessidade de rotulagem clara para garantir que os consumidores possam fazer escolhas informadas.

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No Brasil, a carne cultivada em laboratório foi aprovada?

O Brasil está dando passos significativos na regulamentação da carne cultivada. A Resolução RDC Nº 839, publicada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), entrará em vigor em 16 de março de 2024, e estabelece normas para o registro de alimentos e ingredientes inovadores, incluindo a carne de laboratório.

Empresas brasileiras, como a BRF e a JBS, estão ativamente desenvolvendo parcerias internacionais para acelerar a produção e comercialização de carne cultivada no país.

Para João Almeida, a criação de normas e padrões referentes à segurança alimentar é um dos principais desafios enfrentados pela indústria atualmente.

Isso é especialmente importante para “evitar a contaminação microbiana e controlar a qualidade dos ingredientes utilizados na produção, além de padronizar testes para garantir a qualidade dos produtos”, enfatiza.

“Um problema técnico e ético a ser resolvido é a utilização de soro fetal bovino, que é feito a partir de fetos bovinos. Por ser um produto de origem animal in natura, além do sacrifício animal que a técnica busca evitar, existe a possibilidade de contaminações derivadas de agentes aos quais os animais foram expostos, como doenças e compostos tóxicos. (...) Isso tem que ser regulamentado e informado com critério e de forma transparente”.

A carne cultivada em laboratório é realmente o futuro?

cientista segurando recipiente com carne cultivada enquanto faz anotações em caderno

A aceitação da carne cultivada pelo público é um fator crucial para sua adoção em larga escala. Estratégias de comunicação transparentes e eficazes são essenciais para promover a compreensão e aceitação desse novo produto. 

“Creio que é essencial uma comunicação transparente e eficaz sobre os benefícios e segurança do produto. Campanhas de educação pública, envolvimento de influenciadores, e a disponibilização de informações claras sobre o processo de produção e seus impactos ambientais e de saúde são estratégias importantes.”, finaliza o professor.

A transição para a carne cultivada não será abrupta, mas gradual, com um impacto significativo em termos de sustentabilidade, bem-estar animal e segurança alimentar.

De modo geral, representa uma inovação promissora que pode transformar a indústria alimentícia. Com regulamentações adequadas e avanços tecnológicos contínuos, espera-se que a carne cultivada se torne uma alternativa viável e popular à carne tradicional, alinhando-se com um futuro mais sustentável.

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