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Uma experiência promissora rumo à pecuária sustentável na Amazônia

Como um grupo de pequenos produtores na Calha Norte do rio Amazonas aumentou a produtividade recuperando área degradada com correção do solo e descanso da terra

O pequeno município de Oriximiná, localizado a 881 quilômetros de Belém (PA), na região do Baixo Amazonas, às margens do rio Trombetas, que percorre 700 quilômetros até desaguar no rio Amazonas, abriga pecuaristas que estão tentando adotar a pecuária sustentável para equilibrar a criação de animais e a preservação do meio ambiente. Esta prática é uma tentativa de evitar a derrubada da Floresta Amazônica e o seu sucesso será um indicador decisivo para o futuro, tanto da Amazônia quanto do mundo.

A Floresta Amazônica armazena carbono equivalente a aproximadamente 40 anos de emissões dos Estados Unidos, o maior responsável pelas emissões de CO2 do mundo. Este vasto reservatório de carbono é essencial para a regulação do clima global e manter a floresta intacta evitaria a liberação massiva de carbono, algo essencial para mitigar o aquecimento global, conservar a biodiversidade e melhorar a qualidade de vida da população. Por isso, não seria leviano dizer que o futuro da floresta está ligado à atividade pecuária, pois mais de 40% do rebanho bovino brasileiro já está na Amazônia. Todo o crescimento do setor ocorre na região, e mais de 90% do desmatamento está relacionado à cadeia de fornecedores da pecuária. 

Interromper o ciclo de desmatamento para a expansão da pecuária é o desafio mais importante para salvar a floresta. A atividade agropecuária brasileira, sozinha, emite uma quantidade de gases de efeito estufa comparável à de países inteiros, como o Japão. Portanto, melhorar as práticas pecuárias é um desafio fundamental para a sobrevivência da maior floresta tropical do mundo.

Como chegamos a esse ponto? Fortemente influenciada pelo lema “ocupar para não entregar” da Ditadura Militar, a criação de gado em Oriximiná é uma prática antiga. Os colonos eram incentivados a abrir o território e o gado era a maneira mais barata de “cuidar da terra”. Apesar desse longo histórico, alternativas a essa economia da degradação existem e também estão sendo implementadas na região, como conta o pecuarista e médico veterinário Luiz Junior, que iniciou a recuperação de sua terra em 2018 com 1,7 hectares e hoje possui 57 hectares recuperados, um crescimento de mais de 3.000% em seis anos. Ele fez parte de um grupo de aproximadamente 80 produtores rurais que aderiram ao projeto Pecuária Sustentável. Além de usar conceitos da pecuária intensiva, a relação com os trabalhadores e com os animais também é repensada para garantir melhor desempenho e receita.

Amanda LemosVacas na fazenda raça Nelore de Pedro Arthur Printes em Oriximiná, Pará.png

Com um clima favorável, chuva e capim bom o ano inteiro, a pecuária é comum na cidade, mas não é a principal ocupação segundo o RAIS (Relação Anual de Informações Sociais). Os setores econômicos que mais reuniram trabalhadores em 2022 foram administração pública, defesa e seguridade social, extração de minerais metálicos e construção de edifícios. É um quadro comum na região. Apesar do impacto ambiental, a agropecuária não é o setor que mais emprega na Amazônia. Responde por cerca de 16% dos empregos na região, segundo o projeto Amazônia 2030. O setor de serviços emprega mais. E os empregos na pecuária estão em declínio. Somente entre 2012 e 2019, enquanto a taxa de desmatamento cresceu e a área de pasto expandiu, o número de postos de trabalho na agropecuária na Amazônia caiu 16%.

Junior investiu na correção do solo e na escolha de espécies de pastagens adequadas ao clima da região. A estrutura da fazenda inclui áreas com sombra para os bois, além de vacinas reprodutivas, contra doenças infecciosas e suplementação vitamínica. Com essas práticas, a produtividade da fazenda melhorou bastante, com uma taxa média de 4,12 cabeças por hectare, muito acima da média nacional de 0,97, segundo o último Censo Agropecuário do IBGE. 

Pedro Arthur Printes, pecuarista e mecânico, entrou para o grupo após ver um programa de televisão onde o pai de Luiz Junior falava sobre o projeto. De 40 hectares de pasto, 12 estão em processo de recuperação. Em 2021, ele começou a fazer análises do solo e aplicou insumos como calcário, fósforo, potássio, nitrogênio e micronutrientes para corrigir sua acidez. Com práticas como o uso de cercas elétricas para pastejo rotacional e a escolha de espécies de pastagens adequadas, Pedro Arthur também conseguiu aumentar a produtividade de sua terra enquanto minimizava o impacto ambiental.

Os dois produtores enfrentam desafios logísticos e financeiros. O transporte rodoviário na região é precário, com pontes de madeira que não suportam cargas pesadas e o frete até Oriximiná é alto. Desde a Guerra da Ucrânia, os preços de itens para correção do solo aumentaram significativamente, já que muitos desses insumos vêm da Rússia. Ambos aguardam a regularização fundiária para obter o título de propriedade da terra, o que traria mais segurança e incentivo para continuar investindo em práticas sustentáveis. 

A pecuária de maior eficiência em Oriximiná é baseada nas boas práticas agropecuárias, que equilibram a criação de animais com a preservação do meio ambiente. Roberto Giolo, pesquisador da Embrapa Gado de Corte, explica que um bom manejo garante maior produtividade e resiliência em eventos climáticos extremos. A análise do solo, a correção de nutrientes e o uso de cercas elétricas são práticas comuns. A rotação de pasto é outra técnica importante, permitindo que as plantas se recuperem adequadamente antes de serem pastejadas novamente. Investir na capacitação dos funcionários para aplicar práticas de bem-estar animal, garantindo que os animais recebam alimentação e água de boa qualidade e tenham áreas adequadas com sombra. O controle de verminose e o cumprimento do calendário de vacinação são essenciais para a saúde dos animais. 

Focar no rotacionamento do pasto também é essencial para melhorar a produtividade e proteger as áreas de floresta. Existem várias maneiras de fazer rotação. O número de divisões varia de acordo com o período de descanso da forrageira [planta usada como fonte de alimento para os animais], para que ela possa se restabelecer e chegar a uma altura em que possa acontecer o pastejo. O mais comum é fazer uma área dividida em quatro partes. “O produtor vai rodando os animais de acordo com a disponibilidade de pasto de um certo piquete [área de pastejo delimitada por cerca]”, afirma Giolo. Cada forrageira tem seu tempo de crescimento e a lotação do pasto também ajuda a variar qual o período que o gado vai passar nele. No manejo mais adequado, deve-se deixar a planta chegar até a metade da altura para que mude-os de lugar. Tudo isso é feito de acordo com o olho do pecuarista.

Um dos primeiros a aderir a um projeto de pecuária sustentável na região, Luiz Souza, 82, pecuarista desde 1968 e pai de Luiz Junior, acrescenta que ainda existem gargalos. Falta conhecimento técnico abrangente e de um bom laboratório de solo com recomendações para pastagens e um frigorífico para exportação na região. A adesão ao projeto, que consiste em um aconselhamento técnico aos pecuaristas da região, foi difícil no início, em 2015, justamente pela politização do debate, e apesar do início modesto com a adesão de apenas 14 pecuaristas, hoje mais de 80 produtores rurais já estão engajados. Sinal de sucesso da empreitada.

Hoje, Dia da Amazônia, é uma data para refletir sobre as práticas que podem garantir a sobrevivência deste bioma. A Amazônia é um berço de biodiversidade e um regulador climático global. A história dos pecuaristas de Oriximiná ilustra que é possível conciliar a produção agropecuária com a conservação ambiental. A adoção de práticas sustentáveis na pecuária é um passo necessário para manter o equilíbrio ecológico, proteger a biodiversidade e combater as mudanças climáticas. À medida que os desafios da sustentabilidade se tornam mais urgentes, a experiência desses produtores pode servir como um exemplo de que a convivência harmoniosa entre produção e conservação é possível.

Iniciativas como as de Oriximiná precisam de apoio. Seja promovendo políticas públicas favoráveis, seja apoiando diretamente produtores comprometidos com a sustentabilidade. A trajetória de Luiz Junior e Pedro Arthur serve de inspiração e alerta. Somente através do compromisso com práticas sustentáveis, podemos assegurar que a Floresta Amazônica continue a desempenhar seu papel na saúde do nosso planeta. O futuro da Amazônia depende de decisões tomadas agora, e a adoção de práticas sustentáveis é uma escolha que beneficia o Brasil e todo o planeta.

*Amanda Lemos é repórter e analista de dados.

 

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