* Por Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon)
As mudanças climáticas estão afetando o Brasil com eventos extremos, tendo reduzido o potencial de crescimento econômico em 24,5% entre 1961 e 2010, de acordo com cientistas.
Por isso, cresce a pressão para combater o desmatamento, responsável por 45% das emissões de gases causadores das mudanças climáticas, em 2021. Uma estratégia tem sido pressionar o agronegócio a evitar produtos ligados à derrubada da floresta.
Em 2009, autoridades brasileiras (Ministério Público Federal e Ibama) processaram fazendeiros e frigoríficos por desmatamento ilegal no Pará. Quatro grandes empresas prometeram deixar de comprar gado de fazendas que desmataram após outubro de 2009. Em 2016, mais companhias aderiram, chegando a 38 em seis estados. Apesar disso, a destruição continuou.
Por que os acordos não avançaram como previsto e o que pode ser feito para finalmente eliminar o desmatamento associado ao setor?
Resumimos as respostas apresentadas em um novo relatório lançado recentemente pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Confira o material completo.
A indústria da carne aumentou na Amazônia
A capacidade de abate instalada, de plantas frigoríficas registrada nos sistemas de inspeção federal (SIF) e estadual (SIE) ativas, aumentou 5%: de 62.486 para 65.336 animais por dia.
Em 2022, essas empresas foram responsáveis por 96% dos abates contabilizados pelo IBGE, enquanto os frigoríficos com registros municipais (SIM) somaram 4% dos abates.
O crescimento da indústria com SIF e SIE ocorreu devido ao aumento do número de empresas (+10%) e de plantas frigoríficas (+14%), compensando a redução da capacidade de abate de plantas inativadas (-19%).
A participação dos frigoríficos ativos signatários de acordos contra o desmatamento no total da capacidade diária de abate instalada na região aumentou apenas 3% entre 2016 e 2022: de 68% para 71%.
Entretanto, em 2022, os riscos associados à derrubada da floresta nas zonas potenciais de compra dos frigoríficos eram 108% maiores do que em 2016 — ou seja, saltaram de 6,8 milhões para 14,2 milhões de hectares.
Entre 2016 e 2022, a devastação acumulada dentro dessas zonas aumentou 113% (+4,6 milhões de hectares) e foi a principal causa do aumento de riscos, seguido do risco de desmatamento futuro e das áreas embargadas pelo Ibama pela destruição ilegal.
Em 2022, identificamos 2,3 milhões de hectares embargados pelo órgão em sobreposição com as zonas potenciais de compra dos frigoríficos ativos na Amazônia Legal — um acréscimo de 680 mil hectares desde 2016.
Estimamos que 3,3 milhões de hectares de florestas estão sob risco de desmatamento adicional entre 2023 e 2025, se forem mantidas as taxas médias de derrubada do período 2013-2019.
Exposição ao desmatamento dos frigoríficos ativos em 2016 e 2022
Fonte: Imazon, 2023.
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As empresas mais expostas aos riscos de desmatamento
Em 2022, a JBS permaneceu como a empresa com maior exposição ao risco em suas zonas potenciais de compra. Apesar de manter o mesmo número de plantas entre 2016 e 2022, o risco da entidade aumentou 97% devido à alta dos fatores de ameaça de derrubada nessas áreas. O risco total da JBS cresceu 149% no mesmo período devido à expansão do desmatamento.
Por outro lado, a Marfrig, a segunda maior empresa de proteínas do país, reduziu sua exposição ao risco, caindo da quarta posição em 2016 para a trigésima quinta em 2022. Essa queda ocorreu devido ao fechamento das plantas em Tucumã (PA) e Paranatinga (MT), que, juntas, representavam mais de um milhão de hectares sob ameaça.
As empresas que assinaram o TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) e que estão mais expostas ao risco são JBS, Vale Grande, Masterboi, Minerva e Mercúrio, todas sob inspeção federal. Essas corporações têm uma capacidade média de abate diário de 791 cabeças e compram gado de uma distância máxima média de 354 km.
Por outro lado, os empreendimentos com TAC menos expostos ao risco são todos com inspeção estadual. Em média, essas plantas têm capacidade diária de abate instalada de 178 animais, que são comprados de uma distância média de 150 km.
Vale ressaltar que as unidades sob inspeção federal geralmente têm maior capacidade de abate e atuam em áreas mais distantes para aquisição de animais.
O que impediu o sucesso pleno do TAC da pecuária?
Limitantes das ações do Ministério Público. O TAC da pecuária previa auditorias anuais independentes e a inclusão de mais empresas nos acordos, mas a execução desses mecanismos foi abaixo do esperado.
Por exemplo, a primeira inspeção no Pará ocorreu três anos após o previsto e a falta de transparência nas vistorias em alguns estados, como Mato Grosso, dificultou a avaliação dos resultados.
Além disso, o poder Executivo barrou e ignorou as demandas do MPF, o que parece ter reduzido a capacidade da instituição de iniciar novos casos após 2013.
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Compradores de carne majoritariamente tolerantes ao risco de desmatamento
A tolerância dos compradores com o risco de derrubada é indicada pelo aumento de abates nos estados da Amazônia Legal e de exportações. A participação da região no total de abate de animais no país desde o início dos TACs da pecuária aumentou de 36% em 2009 para 38% em 2023.
Apesar da devastação ter aumentado nos últimos três anos (2020, 2021 e 2022), a média anual do volume exportado pelo Brasil nesses anos cresceu 64% em relação a 2009, no início do TAC no Pará.
Investidores tolerantes aos riscos de derrubada
Empresas financeiras têm investido em frigoríficos sem controle de origem robusto, tolerando riscos ambientais. O BNDES, por exemplo, não cumpriu a sua própria diretriz de exigir o rastreamento completo do gado desde 2016.
Em 2023 (12 anos após o início do TAC), a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) anunciou que seus associados solicitarão aos frigoríficos um sistema de rastreabilidade até dezembro de 2025 para evitar a aquisição de gado oriundo de áreas com desmatamento ilegal.
Os alertas e boicotes de outras instituições financeiras têm sido insuficientes para promover mudanças significativas na compra de bovinos considerando o crescimento de abate e exportações.
Empresários e políticos enfraqueceram a gestão ambiental
Eles impediram avanços no controle da origem do gado, incluindo a resistência à transparência de dados sobre o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e de transporte de gado.
Também pressionaram para anistiar o desmatamento ilegal, adiar a implementação do Código Florestal, reduzir a proteção de unidades de conservação, facilitar a regularização de ocupações ilegais de terras públicas e diminuir a fiscalização ambiental.
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O que pode descolar a indústria da carne do desmatamento?
Imagine um mundo onde a pecuária na Amazônia não provoca o desmatamento. As medidas atuais, como os TACs, não têm sido suficientes para prevenir a devastação causada pelo setor. Precisamos de iniciativas maiores, mais fortes e sustentáveis.
A solução ideal seria uma ação coordenada em todo o setor para eliminar a derrubada e promover práticas mais sustentáveis. Isso incluiria a intensificação da fiscalização governamental e a punição dos infratores, além da implementação do rastreamento individual do gado desde o nascimento.
O governo federal que assumiu em 2023 já vem avançando em algumas dessas medidas, o que tem ajudado a reduzir o desmatamento. No entanto, ainda há muito trabalho a ser feito.
Devido à resistência de vários setores, é provável que as mudanças só ocorram após ações mais contundentes e focadas de atores chaves. Por exemplo, os bancos poderiam estabelecer um prazo de 60-90 dias para que os frigoríficos que compram em áreas de alto risco de destruição implementem controles e prevenções eficazes. Isso poderia inspirar a colaboração local para implementar soluções e transformar as regiões de alto risco em zonas mais confiáveis para o fornecimento de gado livre de desmatamento.
Já vimos que é possível fazer mudanças positivas quando governos e setor privado colaboram. No passado, eles se uniram para controlar a febre aftosa, permitindo que a maioria dos estados brasileiros exportem carne fresca e aumentem as exportações em vários bilhões de reais.
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