Máquinas envasadoras, pasteurizadoras, refrigeradoras e vaporizadoras, entre tantas outras, usadas em larga escala pela indústria de alimentos, são algumas das que mais consomem energia no país.
Tanto a otimização desses equipamentos como a geração de energia mais limpa para abastecimento dessas máquinas são parte dos desafios que o setor está encarando para ganhar sustentabilidade e eficiência.
As iniciativas do setor já estão fazendo efeito. Entre 2011 e 2015, antes do agravamento da crise econômica no Brasil, foi observada uma redução de 6,6% no consumo de energia, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Um dos fatores que colaboraram para essa queda no consumo foi a modernização fabril e a mudança na aquisição de energia.
Segundo Alessandro Ribeiro, especialista em gestão de projetos de eficiência energética da Engie, ainda há indústrias resistentes a uma transformação nesse sentido, mas a eficiência desses novos sistemas tende a reverter isso.
“Esses sistemas inteligentes potencializam a eficiência de equipamentos e maquinários, geram economia, permitem a manutenção preditiva e preservam a integridade dos ativos”, afirma Ribeiro.
Para Steven Nadel, diretor da American Council for an Energy-Efficient Economy (ACEEE), não há que se escolher entre “eficiência energética versus energia renovável”, já que as duas são essenciais para atingir metas de descarbonização e produtividade. “Precisamos maximizar os dois recursos”, sugere Nadel.
O que é energia renovável?
Energia renovável pode ser classificada como aquela que é produzida a partir de fontes primárias naturais que têm como uma de suas principais características sua renovação natural e o não esgotamento de suas fontes.
Segundo artigo acadêmico da PUC-RS chamado “Energias Renováveis: oportunidades para o processamento de pescado no estado do Rio Grande do Sul”, “entre as renováveis, as que apresentam melhor potencial de aplicação na indústria alimentícia são a biomassa, de forma direta ou como biogás e biocombustível, e a energia solar, térmica e fotovoltaica”.
O estudo, conduzido por Ana Azevedo, especialista em Energias Renováveis, e Jeane Lima, professora doutora da Escola de Ciências da PUC-RS, sugere que um dos principais desafios é reduzir o custo dessas tecnologias para tornar o uso mais interessante.
Por enquanto, o uso de fontes renováveis é muito mais voltado para agregar valor ao produto e aumentar o apelo sustentável da marca, mas já há tecnologias ganhando tração no setor, como os biocombustíveis e biogás feitos a partir dos resíduos da produção de alimentos e que “podem ser uma alternativa limpa para a geração de calor e/ou eletricidade junto às indústrias alimentícias”, dizem as especialistas.
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Biomassa e biocombustível
Uma das indústrias que desenvolvem a biomassa é a sucroalcooleira, que utiliza o bagaço da cana de açúcar para produção de biomassa a ser consumida para geração de energia. Essa solução é utilizada também pela indústria alimentícia, “contribuindo fortemente para que a matriz energética do setor industrial de alimentos seja primordialmente renovável”, diz o artigo.
Vários outros resíduos podem ser utilizados para gerar energia limpa e renovável para a indústria alimentícia. Um deles é a casca do arroz, utilizada na produção do syngas, “gás de síntese produzido a partir da gaseificação da biomassa”, segundo a definição de Ana e Jeane.
Outros resíduos oriundos da produção do arroz também podem ser utilizados a partir do tratamento do que resta do arroz após o processo de parboilização. Esse tratamento gera o que é chamado de biogás.
“Os resultados encontrados demonstraram que é possível utilizar tanto o biogás quanto o syngas produzidos a partir destes resíduos na geração de energia térmica e elétrica, reduzindo a necessidade de compra de energia elétrica de concessionárias e o volume de resíduos a serem descartados, já que estes passam a ser consumidos pela própria empresa”, dizem as especialistas.
Os estudos relacionados à produção de energia a partir dos resíduos do arroz estimam um retorno dentro de 2 anos para investimentos feitos na produção desse tipo de solução de energia renovável.
Energia solar, térmica e fotovoltaica
Outra solução é o uso de placas solares para geração de energia renovável no setor de alimentos. Vale destacar entre as iniciativas do tipo os sistemas agrivoltaicos, feitos com placas fotovoltaicas para captação da energia solar. Os painéis de energia solar são instalados sobre as plantações de alimentos e ajudam a gerar energia limpa e produzir alimentos.
Um dos grandes exemplos de sistemas agrivoltaicos está na China, na cidade de Quzhou, a oeste da província de Zhejiang. O projeto conhecido como Changshan produz energia elétrica ao mesmo tempo que favorece o plantio de arroz, alimento mais consumido no gigante asiático.
Há ainda iniciativas como da Coca-Cola e da Nestlé, voltadas para a produção de alimentos, abastecimento de plantas industriais e instalações administrativas, e até mesmo para a movimentação de equipamentos em centros de distribuição, com maquinário abastecido por energia gerada por placas solares.
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Hidrogênio verde
Outra iniciativa de Engie na questão das novas fontes de energias renováveis é o hidrogênio verde. A empresa fechou parceria em abril de 2023 com o governo do Paraná, um dos maiores produtores de alimento do país, para desenvolvimento de projetos para produção em grande escala desse tipo de energia.
O hidrogênio verde é obtido por meio de eletrólise, processo químico em que as moléculas da água (H2O) são quebradas a partir de energias renováveis de baixa emissão de carbono, gerando energia sustentável.
"Nosso objetivo é trazer para este projeto de estado todos os parceiros que tem no radar investimentos em hidrogênio. Fomentando esta relação, acreditamos que será estratégico para desenvolver este mercado”, afirmou o secretário estadual de Planejamento, Guto Silva.
A parceria contou com a intermediação da Invest Paraná, agência de captação de negócios do Governo do Paraná, vinculada à Secretaria de Indústria, Comércio e Serviços (SEIC). O diretor-presidente da agência, Eduardo Bekin, garante que a demanda por hidrogênio verde já é grande e que a agência vai incrementar os estudos sobre o tema. “No mercado nacional, podemos direcionar, por exemplo, a produção dessa energia renovável para o nosso agronegócio”, aponta Bekin.
Modernização do maquinário
Segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), 34,4% do total de energia consumida no Brasil, em 2020, estava relacionado à indústria. E boa parte disso vem do setor alimentício.
Uma estimativa usada pela Engie aponta que cerca de 20% dos motores usados pela indústria de alimentos têm mais de 25 anos e são responsáveis por 26% da energia consumida no Brasil. Além disso, cerca de 20 milhões de motores industriais funcionam no país com uma vida útil que varia de 17 a 40 anos.
Isso mostra que a transição energética nas indústrias deve ser acompanhada pela modernização do seu parque industrial, já que a tecnologia defasada é responsável pela redução da eficiência e pelo aumento das emissões de gases do efeito estufa (GEE).
A lei para aquisição de novas máquinas, em vigor desde agosto de 2019, define o nível aceitável dos motores trifásicos, como IR3, que são os vilões do consumo. A legislação ampliou a faixa de potências que devem se enquadrar ao novo nível mínimo de eficiência, o que coloca as máquinas mais antigas na mira dos órgãos fiscalizadores.
Os detalhes dessa mudança “só um profissional capacitado e certificado poderá verificar e cuidar, evitando problemas futuros e dando aos engenheiros a tranquilidade para focar em outras melhorias na empresa” orienta Alysson Borges, gerente de Engenharia de Soluções da Engie.
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