O desperdício de alimentos custa caro para consumidor, indústria e meio ambiente. Um levantamento feito pela Organização das Nações Unidas (ONU) diz que, só entre a colheita e o comércio, 14% da produção alimentar mundial, avaliada em 400 bilhões de dólares, são perdidos todos os anos. Além disso, a comida jogada fora no final da cadeia representa um custo anual de 936 bilhões de dólares.
O mais alarmante é o fato de que essa perda acaba pesando de maneira mais dramática sobre as famílias de menor renda, já que o desperdício impulsiona a galopante inflação de alimentos em todo o mundo. O preço da comida subiu sobremaneira com a pandemia de coronavírus e se tornou um problema ainda mais delicado a ser resolvido pela indústria e autoridades.
A ONU afirma que esse montante desperdiçado ou perdido ao longo da cadeia corresponde a um terço de todo o alimento produzido no mundo e seria suficiente para alimentar 2 bilhões de pessoas. Segundo a Organização das Nações Unidas, o mundo possui entre 702 milhões e 828 milhões, dados de julho de 2022.
Os números mostram que a distribuição correta de alimentos poderia ser decisiva não só no combate à fome, mas também no controle da inflação de alimentos e melhora dos níveis de lucratividade da indústria de alimentos ao redor do planeta, já que a otimização da cadeia poderia significar abatimento de custos com produção e distribuição de alimentos que acabam descartados.
A Kerry, empresa líder mundial no desenvolvimento de soluções em sabor e nutrição, tem criado estratégias para melhorar o perfil nutricional dos alimentos ao mesmo tempo em que trabalha para reduzir desperdícios. Parte dessas ações passa por criar parcerias com outras empresas do setor e com os consumidores finais para garantir a disponibilidade, acessibilidade e segurança dos alimentos.
“Nós, como indústria, precisamos nos unir e contribuir para uma economia circular positiva, investindo conhecimento, dinheiro e tempo na melhoria do potencial nutricional, na redução do desperdício e no uso de embalagens sustentáveis para melhorar a distribuição e qualidade da alimentação para a população mundial, ao mesmo tempo em que reduzimos o impacto ambiental da produção, o que é urgente”, observa Juan Aguiriano, head global de Sustentabilidade e Tecnologias do Grupo Kerry.
A Kerry é a principal parceira para as indústrias de alimentos e bebidas e empresas farmacêuticas para produção de soluções em sabor e nutrição na América Latina desde 1994. No Brasil, a companhia está estabelecida desde 1998 e ao longo desses anos vêm articulando com as grandes empresas da região maneiras de aumentar a eficiência ao longo da cadeia.
Atualmente, a Kerry está presente em oito países da América Latina com 13 fábricas, seis escritórios comerciais e dois centros de pesquisa e desenvolvimento. No mundo, a empresa atua em 148 fábricas em 32 países, contando com uma equipe de 22 mil pessoas, incluindo mais de mil cientistas de alimentos.
Para Aguiriano, head glogal da empresa, a otimização da cadeia de produção de alimentos precisa ser acelerada tendo em vista a redução do impacto social causado pelo desperdício, e visando também a emergência ambiental que o planeta vive, e que será agravada nos próximos anos se o uso de matérias primas e a geração de gases do efeito estufa não forem reduzidos drasticamente.
“De acordo com a FAO, mais de 30% das emissões totais de gases do efeito estufa têm origem no sistema alimentar. Se o desperdício alimentar fosse um país, seria o terceiro maior contribuinte em geração de gases estufa”, lembra o executivo.
Como reduzir o desperdício
A redução do desperdício de alimentos no mundo passa obrigatoriamente por iniciativas que a indústria pode – e deve – liderar, e demanda investimentos em tecnologias e processos que permitam, entre outras questões, aumentar o prazo de validade dos produtos.
Garantir que os alimentos sejam produzidos com uma vida útil mais longa alimentará mais pessoas e reduzirá significativamente o impacto ambiental, podendo poupar até metade dos alimentos que hoje vão para o lixo, afirma o head global da Kerry. “Estender a vida útil de um alimento, protegendo-o da deterioração microbiológica, do envelhecimento e da degradação do sabor é o que dá a chance de ser consumido ao invés vez de desperdiçado”, detalha Aguiriano.
Um dos desafios mais importantes encarados pela indústria de alimentos é reduzir o desperdício da carne, categoria de maior valor e mais intensiva em carbono entre todos os responsáveis pelo desperdício de alimentos. A cada ano, mais de 73 bilhões de quilos de carne são desperdiçados, ou seja, 2 bilhões de porções por dia. “Maximizar totalmente o valor desta proteína é imperativo. Métodos de conservação e ingredientes são a chave”, diz o executivo.
Nos últimos anos, a indústria de proteína animal tem se beneficiado da vasta inovação em antimicrobianos convencionais e clean label. A carne fresca, por exemplo, é particularmente vulnerável à contaminação e altamente perecível, mas, por conta dos avanços na produção de conservantes confiáveis, a vida útil da carne fresca quase quadruplicou.
Ainda que a produção pecuária seja uma das maiores preocupações com relação ao desperdício e danos ambientais, uma outra atividade se apresenta como a principal responsável pelas perdas em volume: a panificação. Globalmente, quase 12 bilhões de pães são desperdiçados todos os anos. Isso quer dizer que pelo menos 630 milhões de pessoas poderiam receber ao menos uma fatia a mais todos os dias se o desperdício caísse a zero.
Lidar com a vida útil do pão como um todo, proteger o produto do mofo, do envelhecimento e da degradação do sabor, é o que poderia permitir aos pães terem uma melhor chance de ser incluídos na dieta de milhões de pessoas em vez de terem a lixeira como destino. “Existem ingredientes comprovados e confiáveis que podem dobrar a vida útil dos itens de panificação”, garante o executivo da Kerry.
O desenvolvimento de novos ingredientes de preservação com baixo impacto ambiental poderá liberar um enorme valor nos segmentos de cárneos e panificação, que são essenciais à alimentação básica. No entanto, enquanto novas soluções não aparecem no horizonte, os ingredientes de preservação convencionais e de rótulo limpo que estão disponíveis no mercado já são capazes de permitir que a indústria reduza o desperdício desses alimentos.
Além disso, a indústria também deve trabalhar iniciativas junto aos consumidores para que o produto deixe de ir ao lixo na etapa final, nos lares, restaurantes e lanchonetes. Uma das iniciativas, simples, mas poderosa, diz respeito ao uso de produtos até a data de validade.
“A indústria precisa participar ativamente na questão do esclarecimento sobre o uso do produto em bom estado e dentro da validade. Muito é desperdiçado porque os consumidores acabam jogando fora algo que está com a validade próxima do fim, mas em perfeitas condições de uso”, alerta Aguiriano.
Rastreabilidade
Outra iniciativa que está em pleno desenvolvimento na indústria alimentar diz respeito à rastreabilidade do produto. Por meio de tecnologias de captura, armazenamento e tratamento de dados ao longo da cadeia é possível saber com mais rigor se as condições de produção, transporte e distribuição nas gôndolas está contribuindo para que a vida útil seja a máxima possível.
Com o monitoramento de toda a cadeia, não apenas as empresas podem controlar com mais rigor a vida útil dos alimentos como os consumidores também passam a ter acesso a esses dados, via sites ou aplicativos, e confiar que os produtos seguem bem conservados e aptos para uso durante um tempo maior, sem que sejam descartados precipitadamente.
A embalagem inteligente de leite, por exemplo, quando acessada via QR Code permite que os consumidores façam a avaliação em tempo real sobre o tempo que o produto se mantém apto para uso. “Um simples escaneamento de uma embalagem confirma se a cadeia de frio permaneceu intacta e pode fornecer dados precisos da carga microbiana, sendo mais preciso que a data de validade estática”, afirma Aguiriano.
Resíduos
A magnitude da crise do desperdício de alimentos ressalta a necessidade de a indústria buscar inovações para identificar soluções com relação aos resíduos, aqueles que fatalmente terão que ter outra destinação, que não seja a mesa. Com essa missão, os players do setor têm alavancado soluções como enzimas que podem ser utilizadas em resíduos para convertê-los em ingredientes reutilizáveis.
Um exemplo simples disso é o pão envelhecido, que vem sendo usado pela indústria cervejeira como substrato de fermentação. Além disso, a reutilização de resíduos se mostra cada vez mais útil ao setor agropecuário, com itens de qualidade, que seriam descartados no lixo comum, aumentando a fertilidade dos solos.
Todas essas soluções já estão à mão da indústria alimentícia e prontas para serem utilizadas a tempo de a humanidade reverter as crises climática e alimentar. “Com criatividade e seriedade, podemos reverter esse quadro de desperdício e poupar alimentos suficientes para alimentar 2 bilhões de pessoas, mais que o dobro da quantidade de subnutridos, ao mesmo tempo em que damos uma contribuição significativa para reverter as mudanças climáticas”, conclui Aguiriano.