Superando os desafios de sabores, culturas e fonética, chef Giovana Camargo Rodrigues leva a culinária brasileira para locais icônicos como a Disney e é reconhecida com prêmio inédito para o Brasil.
Quem imaginaria que um dos obstáculos para introduzir a feijoada nos Estados Unidos seria a fonética? “Eu falava: ‘feijoada’ e eles entendiam ‘fish water’ – água de peixe”, conta Giovana Camargo Rodrigues, chef que se dedica a levar os sabores do Brasil para a cultura norte-americana. Ainda assim, o prato foi um sucesso para o paladar norte-americano.
A chef já teve outros êxitos, como o pão de queijo que foi adicionado ao cardápio da Disney e Universal Studios como um lanche gluten free. “Hoje em dia, na Flórida, tem pão de queijo em várias redes de supermercado americanas”, comemora.
Formada pela prestigiada Le Cordon Bleu Paris, Giovana atua no desenvolvimento de produtos e consultoria para empresas de food service. Há mais de oito anos atuando em Orlando (EUA), a chef recebeu um prêmio da American Culinary Federation (ACF), a maior federação culinária do mundo, e se tornou a primeira brasileira a ter esse reconhecimento.
"O Portuguese and Brazilian Awards me deu a oportunidade de mostrar o quanto nossa cultura gastronômica pode impactar o mercado global. Meu trabalho é não apenas levar sabores brasileiros para a mesa americana, mas também criar uma ponte de entendimento entre diferentes culturas por meio da culinária", afirma.
Giovana conversou com o Food Connection sobre os desafios de introduzir a culinária brasileira nos Estados Unidos. Confira a entrevista a seguir.
Quais os produtos e sabores do Brasil você já trabalhou e trabalha atualmente nos EUA?
Meu primeiro trabalho foi com pão de queijo dentro do Epcot Center, Disney World. Cheguei a gravar um programa de TV para apresentar o pão de queijo para os americanos. Apresentei o pão de queijo como um produto Gluten Free, o que ele realmente é, e as vendas transbordaram. Hoje em dia, na Flórida, tem pão de queijo em várias redes de supermercado americanas. Eles não sabiam o que era e se apaixonaram pelo sabor, e eu morro de orgulho toda vez que vejo um item tão brasileiro na mesa dos americanos.
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Quais produtos/ingredientes brasileiros têm potencial para conquistar o paladar internacional?
Trabalhei de picanha a pão de queijo, passando por paçoquinha, açaí, doces regionais goianos e pimentas gourmet.
Como é o paladar norte-americano e como ele se adapta aos sabores do Brasil?
Os americanos são mais cautelosos a provar coisas novas. Brigadeiro foi um grande desafio, eles têm uma certa aflição ao que cola no céu da boca. Farofa foi outra luta, eles dizem estar comendo areia. E a feijoada foi o prato mais icônico. Eu falava: "feijoada" e eles entendiam "fish water" (água de peixe). Me diverti muito com essa similaridade fonética. Eles amam porco, então não foi um prato difícil de atrair a atenção deles, mas eles definitivamente não entendem a razão da pronúncia e nem da laranja como parte do prato. Mas o desafio "feijoada" foi dado como um sucesso.
Como é o processo de introduzir um novo sabor na cultura norte-americana?
Com a feijoada consegui o êxito de apresentar o prato na íntegra para mais de 3000 americanos em vários eventos de food service na Florida, Georgia e Carolina do Norte. Já outros sabores, como a picanha, por exemplo, eu adaptei em um prato tradicional americano chamado "Surf and Turf" - um mix de proteína bovina com frutos do mar. Minha ideia para conseguir entrar no paladar dos norte-americanos com o pão de queijo foi a seguinte: discursar sobre um produto gluten free de fácil preparo como um bom lanchinho para as crianças que levam lancheira para escola. E foi um sucesso!
É possível usar as receitas originais ou precisam ser adaptadas?
Quando falamos de América costumo dizer que falamos de um “Melting Pot”. Na tradução para nossa língua mãe, seria como uma mistura de etnias, raças, religiões onde todos se respeitam, com raízes de sabores, costumes, alimentos e texturas totalmente diferentes um dos outros que se unem numa grande nação. Na época em que trabalhei no Four Seasons, por exemplo, a mistura de raças era incrível. Cozinhava para indianos, judeus, jamaicanos, latinos (que vêm de países com preparos completamente diferentes), chineses e haitianos. Com muito respeito às origens de cada um, sempre tentava jogar com êxito uma brasilidade, nem que fosse um abacaxi assado com canela - sempre funcionava muito bem.
Existe uma grande comunidade brasileira nos EUA. Ela também é impactada pelo seu trabalho?
Já levantei a comunidade brasileira para inúmeras marcas e produtos aqui nos EUA. Pimenta Mendez, Forno de Minas, Mr Bey... Temos brasileiros espalhados pelo mundo, e minha missão pra sempre será levar um pouco da cultura de um país para dentro do outro. De um estado para outro. Essa troca me motiva, e seguimos alimentando e educando as pessoas a provarem algo novo sempre.
Os prêmios que recebeu são um reconhecimento ao seu trabalho e também à cultura brasileira. Como você vê esse sucesso e reconhecimento?
O mais importante dos prêmios que recebi tem mais a ver com a minha dedicação na maior associação de chefs do mundo. Ainda estudante eu me voluntariava, passava dias envolvida nos congressos da associação, muito antes de me tornar membro da mesma, o que me fez crescer dentro da associação. E foi a minha brasilidade de estar pronta para encarar qualquer parte do evento, desde ajudar os membros em competições a literalmente limpar o chão após a finalização do evento. Tinha dias nos quais estava com roupa de gala, outros estava com roupa de chef auxiliando em tudo que eles necessitavam. Depois de formada comecei a trabalhar numa grande rede de food service, e o presidente da associação na época resolveu me agraciar com o prêmio Spirits of Aloha (também pela ACF) por minha versatilidade em todas as áreas do Food Service. Já o Portuguese e Brazilian Awards sim foi uma premiação por essa questão cultural, por eu ser a única chef brasileira atuante no food service nos Estados Unidos.
Conte um pouco sobre seu novo projeto de desenvolvimento de queijos artesanais para o mercado norte-americano.
No último ano me dediquei ao lançamento do Molho de Pizza no Brasil, o que me deu um trabalhão. Entre idas e vindas, também fui convidada antes (da pandemia) do covid-19 a conhecer queijos britânicos e da região de Bolonha, na Itália. Foi uma experiência tremenda, e agora que meu molho já fluiu, fui convidada a trabalhar com o desenvolvimento desses queijos nos Estados Unidos e no Canadá. Todos fazem parte da certificação World of Cheese, e vou ter o prazer de desenvolver queijos na terra do Mickey Mouse.