O consumo de glúten tem sido um assunto polêmico entre os entusiastas de uma alimentação mais saudável. O ingrediente, que é muito presente na dieta cotidiana do brasileiro, é apontado como vilão por alguns especialistas, enquanto outros defendem que, exceto em casos de intolerância alimentar, não há problema em consumi-lo.
Se alguns retiram o glúten da dieta por escolha, muitos outros o fazem por necessidade.
Considerando o tamanho e a importância deste segmento na indústria alimentícia, este artigo traz informações sobre o que é glúten e quais são as razões que levam as pessoas a buscarem uma dieta livre de glúten, além de discutir a produção de alimentos gluten free no mercado de ingredientes.
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O que é glúten?
O glúten é uma rede de proteínas presente em algumas farinhas, como o trigo, a cevada e o centeio. Do ponto de vista químico, ele é formado pela mistura de duas proteínas menores: gliadina e glutenina, que possuem uma propriedade de, ao serem adicionadas a água, formarem uma massa elástica, conferindo boa textura, maciez e aderência ao alimento.
No preparo de uma massa à base de alguma farinha, como a de trigo, o contato da água com o ingrediente estimula essas duas proteínas e formam o glúten, responsável por dar elasticidade e resistência à massa. É por isso que durante a produção de pizza e macarrão, é comum ver aquelas massas bonitas sendo esticadas sem arrebentar.
Além disso, o glúten auxilia no crescimento de certos alimentos, como pães e biscoitos. Ao sová-los, a substância é ativada e impede que o gás carbônico gerado ao longo da fermentação escape. Como resultado, tem-se uma massa resistente e bem desenvolvida. A textura macia desses produtos também é adquirida pela proteína, que os tornam fáceis de mastigar.
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Qual a importância do glúten para a indústria de alimentos?
O glúten exerce uma função importantíssima dentro da indústria de alimentos, principalmente quando pensamos nos diferentes tipos de massas existentes. Isso porque, é ele quem da maior elasticidade e consistência para as massas, permitindo que sejam manipuladas sem quebrar, como no caso do pão e do macarrão.
Além disso, ele também contribui para o crescimento desses ingredientes durante o processo de preparação, uma vez que ele retém os gases da fermentação, permitindo que ela ocorra. Ou seja, sem o glúten, nosso o pão ficaria murcho e achatado.
A resistência do glúten também permite que ele supere longos períodos de fermentação (mais de 6 horas), sendo fundamental para receitas que possuem essa característica.
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Quais alimentos contêm glúten?
Em geral, todo alimento preparado com farinha de trigo, cevada, centeio ou malte contém glúten. Por isso, a lista é bastante extensa, com comidas que ingerimos diariamente, como:
- Pães, bolos, torradas e biscoitos;
- Massa de pizza;
- Macarrão;
- Cerveja;
- Salsicha e outros embutidos;
- Alguns queijos;
- Molhos como ketchup, maionese, mostarda e shoyu;
- Temperos prontos e sopas desidratadas;
- Cereais.
Já produtos como frutas, verduras, cereais (arroz, milho, quinoa), proteínas (carne, frango, ovos, peixes), doces (chocolate, gelatina, açúcar) e tubérculos (batata, inhame, mandioca) estão no grupo dos ingredientes que, naturalmente, não possuem a substância em sua composição.
Porém, quando manipulados, todos podem recebê-la por contaminação cruzada, ocorrida quando há transferência de traços ou partículas de glúten de um produto para outro, de forma indireta ou direta. São vários os fatores que influenciam nessa contaminação.
Desde a higiene local, assim como processos de armazenamento e manuseio de alimentos. Por isso, todo o cuidado é importante, desde a colheita, produção até a chegada na mesa do consumidor.
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E quais os principais alimentos sem glúten?
Os principais alimentos sem glúten, via de regra, são os vegetais e as carnes, uma vez que eles não possuem a proteína em questão. Além disso, também existem alimentos específicos que são pensados para substituir as comidas com glúten, como a farinha de arroz, que pode substituir a farinha de trigo.
Alguns outros exemplos de alimentos sem glúten são:
- Carnes, ovos, mariscos e peixes;
- Feijão, ervilha, lentilha e soja;
- Polenta;
- Frutas;
- Legumes, vegetais e tubérculos como inhame, mandioca, batata e batata doce;
- Goma de tapioca;
- Maisena (amido de milho);
- Farinha de arroz, farinha de mandioca, amêndoa, coco, alfarroba, quinoa e ervilha;
- Arroz, milho, trigo sarraceno e quinoa;
- Fécula de batata;
- Sal, açúcar, chocolate em pó cacau;
- Gelatina;
- Óleos vegetais, incluindo o azeite de oliva;
- Leite, iogurte, manteiga e queijos;
- Oleaginosas, como amêndoas, nozes, castanha, amendoim e pistache;
- Semente de chia;
- Farinha de teff;
- Farinha de coco;
- Mel;
- Algas marinhas (nori).
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Glúten faz mal à saúde?
Não existem pesquisas, estudos ou testes científicos definitivos que comprovem a ação negativa do glúten no organismo.
O que se sabe até hoje é que sim, ele pode fazer mal à saúde, porém, apenas para indivíduos com doença celíaca, sensibilidade ao glúten não celíaca ou alergia ao trigo. Para essas pessoas, evitar o consumo da proteína é essencial para não ter reações adversas à saúde.
No Brasil, de acordo com a Federação Nacional das Associações de Celíacos do Brasil (FENACELBRA), não há um estudo multicêntrico que afirme com certeza qual a prevalência da doença celíaca na população. Algumas estimativas falam de cerca de 2 milhões de portadores da doença no Brasil, outras apontam que 1 em cada 400 brasileiros são celíacos.
Entretanto, a maioria dos estudos concorda: a condição ainda permanece não diagnosticada em grande parte dos brasileiros.
Seja qual for a motivação para cortar o componente da dieta, o segmento de alimentos sem glúten, ou “gluten free”, como são chamados, está em pleno crescimento. Segundo uma pesquisa realizada pela consultoria internacional Euromonitor, o setor deve crescer cerca de 40% no período entre 2022 e 2024.
O mesmo levantamento aponta o Brasil como o 4º colocado no consumo de alimentos saudáveis, um mercado que movimenta U$ 35 milhões por ano no país.
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Quais as principais doenças relacionadas ao glúten?
Não há consenso científico, até o momento, sobre se os alimentos com glúten causem mal para as pessoas de forma geral. Entretano, existem casos específicos, onde pessoas que possuem determinadas doenças, se ingerirem esse tipo de alimentos, podem sim sofrer com algumas complicações.
É o caso daquels que possuem doença celíaca, sensibilidade ao glúten não celíaca e alergia ao trigo. Vamos entender um pouco mais o que acontece em cada um desses casos.
Doença celíaca
A doença celíaca é uma doença autoimune na qual o sistema imunológico do portador reage negativamente às proteínas presentes no glúten. Essa reação causa danos ao revestimento do intestino delgado e, se não for tratada, pode ter consequências graves como:
- surgimento de câncer no intestino;
- desnutrição;
- infertilidade ou abortos espontâneos;
- osteoporose;
- problemas neurológicos.
Nem toda intolerância ao glúten é doença celíaca. Algumas pessoas possuem sensibilidade ou intolerância ao ingrediente, apresentando sintomas semelhantes aos da doença celíaca, mas sem danos ao intestino. Apesar de menos grave, a intolerância ou sensibilidade ao glúten deve ser tratada da mesma forma, para evitar os sintomas e trazer mais qualidade de vida ao paciente.
A doença celíaca não é uma alergia, onde normalmente a má reação do organismo vem imediatamente após o consumo do alimento. No caso do glúten, a intolerância é silenciosa, com sintomas indo de leves a intensos, se manifestando por um longo período. Por isso, o diagnóstico pode ser tão difícil.
Não há cura para esta condição, portanto, o único tratamento é levar uma dieta livre da proteína.
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Sensibilidade ao glúten não celíaca
A sensibilidade ao glúten não celíaca é um caso semelhante ao da doença celíaca. Mesmo não apresentando os mesmo anticorpos que os celíacos, os pessoas com essa condição apresentam sintomas muito semelhantes, como no caso de quem sofre com Síndrome do Intestino Irritável.
A sensibilidade ao glúten é considerada uma nova condição, e tem como característica o fato de que o sintomas podem melhorar aou até mesmo desaparecer após a retirada do glúten da dieta.
Entretanto, por ser uma condição nova, ainda existe certa resistência em seu diagnóstico, com médicos e nutricionistas mais conservadores afirmando que apenas indivíduos com a doença celíaca são intolerantes ao glúten. Enquanto isso, novas frentes de profissionais tem defendido que em alguns casos, mesmo quem não possui a doença, pode se prejudicar pelo consumo dessa proteína.
Alergia ao trigo
A alergia ao trigo é desencadeada quando a gliadina e a glutenina, dois componentes do glúten, ativam um anticorpo chamado imunoglobulina E. Ao fazer isso, uma reação alérgica é desencadeada, fazendo o indivíduo apresentar sintomas como rinite, asma, urticária e conjuntivite, em seus casos mais leves.
Nos casos onde a reação alérgica for mais extrema, os indivíduos podem sofrer com diarreia, dores abdominais, ou até mesmo lesões na pele.
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O consumo de glúten deve ser evitado?
Apesar de muitas vezes ser visto como um grande vilão, o glúten não faz mal à saúde de uma pessoa que não sofra de sensibilidade, intolerância ou de doença celíaca, como já mencionado. Ainda assim, algumas pessoas optam por viver uma dieta livre de glúten, pois afirmam que cortar o ingrediente da alimentação traz mais bem-estar e energia.
No entanto, isso acontece porque, ao cortar o glúten, a pessoa acaba cortando também muitos produtos industrializados e calóricos da sua dieta, substituindo bolachas, massas e bolos por opções gluten free que também calham de ser mais saudáveis, como frutas, vegetais, leguminosas, cereais e proteínas.
Apesar de poder ser benéfica à saúde nesse sentido, a dieta livre de glúten é extremamente restritiva e não é fácil de ser seguida. Muitos alimentos contêm glúten por contaminação cruzada, o que pode tornar a tarefa de buscar alternativas gluten free nos mercados e restaurantes bastante exaustiva.
Produção de alimentos gluten free
A pandemia de covid-19 trouxe diversas mudanças sociais e econômicas que afetaram nossos hábitos de consumo. A pesquisa “O Futuro do Food Service”, apresentada pela Fispal Food Service em 2022, apontou que quase 40% dos consumidores afirmam terem passado a buscar uma alimentação mais saudável no pós-pandemia.
“De maneira geral, os consumidores passaram a ter uma visão holística do alimento. Estão mais preocupados com o que comem, valorizando os alimentos que tragam conforto, bem-estar físico e emocional, benefícios à saúde, que sejam seguros, produzidos de forma sustentável e sem deixar de lado a indulgência”, reflete Maria Luiza Marchiori Visintin Formigoni, docente do curso de Tecnologia de Alimentos do SENAI-SP, em entrevista ao portal Food Connection.
Seja pelo tratamento de uma doença autoimune como a doença celíaca, ou por uma opção pessoal, muitos consumidores têm optado por uma dieta livre de glúten no dia a dia. Com a expansão desse mercado, a indústria alimentícia deve buscar oferecer cada vez mais alternativas gluten free, desde a prateleira dos supermercados até a mesa dos restaurantes.
“Além da alimentação saudável no cardápio tradicional, o restaurante pode apostar no delivery. Além disso, pode oferecer essas opções para o cliente comprar e guardar em casa e, assim, prepará-las no momento que mais lhe convém”, afirma o especialista Norman Vo, do restaurante Miss Saigon, em entrevista ao Food Connection.
Assim como os alimentos vegetarianos e veganos, os alimentos livres desta proteína podem ser consumidos por qualquer pessoa, não apenas aquelas que possuem uma restrição alimentar. Portanto, trazer opções gluten free no seu cardápio ou portfólio de produtos é uma maneira de garantir que todos os públicos possam consumir seus alimentos.
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Crescimento do mercado de gluten free
Nos últimos anos o mercado de comidas sem glúten tem se expandido rápidamente, com os especialistas apontando 3 causas principais:
- Busca por alimentação mais saudável: mesmo entre as pessoas não celíacas, tem ocorrido um movimento de buscar uma vida e alimentação mais saudáveis, evitando então esse tipo de alimentos;
- Diagnósticos de doença celíaca: O aumento de diagnósticos, junto a conscientização sobre a doença celíaca, tem feito com que muitas pessoas reduzam o consumo desse tipo de alimento, visando preservar seu bem estar;
- Busca por variedade de sabores: a indústria de alimentos sem glúten tem se desenvolvido, apresentando alternativas cada vez mais saborosas pra aqueles que desejam uma nova dieta.
Esse efeitos podem ser vistos na prática no mercado brasileiro. Segundo um estudo da mordor intelligence, o mercado de bolos, iogurtes e queijos sem glúten, açúcar ou lactose saltou de 481,3 milhões de Reais para 1,027 bilhões de Reais, entre 2011 e 2016.
O mesmo estudo ainda afirma que o Brasil é o mercado de alimentos e bebidas sem glúten que apresenta o crescimento mais rápido, dentro da América do Sul.
Legislação para rotulagem de alimentos gluten free
Vale lembrar que, no caso dos alimentos industrializados, a Lei Nº 10.674, de 16 de maio de 2003, obriga que o rótulo do produto traga as inscrições “contém glúten” ou “não contém glúten”, conforme o caso. Essa é uma legislação federal que deve ser seguida em todo o território brasileiro.
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A advertência deve ser impressa nos rótulos e embalagens dos produtos respectivos, assim como em cartazes e materiais de divulgação em caracteres com destaque, nítidos e de fácil leitura.
No caso dos restaurantes, não existe regulamentação que obrigue os estabelecimentos a trazer essa informação no cardápio. Algumas cidades e estados possuem legislações específicas sobre o assunto, por isso, é importante se informar a respeito das regulamentações na sua região.
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