A insegurança alimentar e a fome no Brasil aumentaram nos últimos anos, o que causou o retorno ao Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU), de onde o país havia saído em 2014. Uma nação passa a ocupar esse lugar quando mais de 2,5% da população enfrenta falta crônica de alimentos. Em 2022, o Brasil registrou 4,1% de pessoas nessa situação.
Em paralelo, o país apresenta um número alarmante de alimentos desperdiçados. Um levantamento da ONU aponta que, por ano, cerca de 27 milhões de toneladas de comida são jogadas fora em território nacional. Estima-se que 80% desse desperdício aconteça no manuseio, transporte e nas centrais de abastecimento.
Mas o país não está sozinho nesse cenário de amplo desperdício de alimentos, que causa prejuízos sociais, ambientais e econômicos. Por ano, são cerca de 930 milhões de toneladas de alimentos desperdiçados no mundo, o que sugere que 17% da produção total vão para o lixo. Para se ter uma ideia, esse número é o equivalente a 23 milhões de caminhões de 40 toneladas totalmente carregados com alimentos, que alinhados dariam a volta na Terra sete vezes.
Boa parte do desperdício acontece antes de chegar à mesa das pessoas. Cerca de 14% dos alimentos produzidos são perdidos ainda entre a colheita e o varejo. Para combater essa disfunção, a indústria já tem ferramentas disponíveis, afirma o Juan Aguiriano, head global de Sustentabilidade e Tecnologias do Grupo Kerry, empresa especializada em soluções para aumentar a vida útil dos produtos e evitar desperdício.
“A indústria já tem meios eficientes para reduzir desperdício de alimentos e combater a fome e precisa usar o que já tem em mãos, como os conservantes tradicionais, além de desenvolver novas tecnologias cada vez mais limpas e naturais para aumentar a eficiência e eliminar o desperdício de alimentos de forma segura e sustentável, gerando um impacto real para pessoas, para o planeta e para a sociedade”, avalia o executivo em entrevista exclusiva ao Food Connection.
Leia a entrevista na íntegra e entenda quais soluções já estão à disposição para aumentar a eficiência da indústria alimentícia e reduzir a quantidade de alimentos jogados fora todos os anos, combatendo a agressão ao meio ambiente e a falta de acesso a comida.
Como combater o desperdício de comida ao longo da cadeia?
Juan Aguiriano: A redução do desperdício depende de dois fatores principais, o aproveitamento das soluções de preservação para prolongar a vida útil do produto e o impacto disso no comportamento do consumidor. Estender a vida útil de um alimento, protegê-lo da deterioração microbiológica, do envelhecimento e da degradação do sabor é o que dá a chance de ele ser aproveitado ao invés vez de ser desperdiçado.
Qual a participação da indústria alimentícia no desperdício?
JA: Nosso sistema alimentar global é projetado para produzir grandes quantidades de alimentos, usando uma variedade limitada de materiais, com o menor custo econômico possível, sem levar em conta o custo para as pessoas, planeta e sociedade. Como indústria, precisamos ser honestos. Estamos usando recursos finitos de maneira ineficiente e prejudicial. Mais de 30% das emissões totais de gases de efeito estufa são atribuíveis ao sistema alimentar. Nossa indústria é uma das principais causas dos maiores desafios ambientais, sociais e de saúde do nosso tempo.
Como a indústria pode ser mais eficiente na produção e distribuição, reduzindo o desperdício?
JA: As empresas do setor alimentício precisam atuar de maneira integrada, unindo em esforços comuns players de diferentes etapas da cadeia. Há uma oportunidade para as indústrias aproveitarem este momento para mudar e ajudar a construir um mundo mais sustentável e com alimento para todos, o que favorece não só as pessoas, na ponta, mas a cadeia de produção e distribuição como um todo.
A indústria já tem meios eficientes para reduzir desperdício de alimentos e combater a fome e precisa usar o que já tem em mãos, como os conservantes tradicionais, além de desenvolver novas tecnologias cada vez mais limpas e naturais para aumentar a eficiência e eliminar o desperdício de alimentos de forma segura e sustentável, gerando um impacto real para pessoas, para o planeta e para a sociedade.
Como a Kerry ajuda a indústria nesse objetivo de ser mais eficiente ao longo da cadeia?
JA: Maximizamos a vida útil do produto ao mesmo tempo em que minimizamos a perda de alimentos. Ajudamos nossos clientes a definir soluções para seus produtos com o que há de melhor em conservação, sabor e nutrição, garantindo segurança e qualidade.
Cada cliente traz seus próprios desafios específicos de preservação até nós. Entre esses desafios os mais comuns são a dinâmica da cadeia de suprimentos, preferências geográficas e do consumidor ou mesmo metas de custo e prazo de validade. Nós estudamos esses desafios e oferecemos tecnologia para proteger e aperfeiçoar os produtos, por meio de três grandes grupos de tecnologias: preservação tradicional, rótulo limpo e sistemas multifuncionais.
Qual o papel da Kerry na construção de um mundo mais sustentável e saudável?
JA: Para a Kerry, a nutrição tem que ser adequada, segura e saudável. Deve ser acessível e economicamente justa, com baixo impacto ambiental, e culturalmente aceitável. Dentro dessa visão, focamos não apenas em produtos, mas em nossas ações. Nossa estratégia de sustentabilidade aborda justamente as pessoas, a sociedade e o planeta e temos compromissos muito fortes para isso.
O que a empresa tem feito para alcançar essa realidade?
JA: Tínhamos como objetivo utilizar 100% de eletricidade renovável até 2025, meta essa que todas as fábricas da América latina, inclusive Brasil já atingiram. Também vamos reduzir nossa emissão de carbono em 55% até 2030 e alcançar a neutralização antes de 2050.
Estamos trabalhando com nossos fornecedores para reduzir a intensidade de suas emissões em 30%, impactando toda a nossa cadeia de suprimentos. Vamos alcançar uma redução de 15% na intensidade da água até 2025 e reduzir nosso desperdício de alimentos em 50% até 2030. Até 2025, teremos zero resíduos enviados para aterro.
Na utilização de plásticos, também temos objetivos ambiciosos. Até 2025, vamos ter 100% do nosso plástico reutilizável, reciclável ou compostável, atingindo uma redução de 25% no uso de plástico virgem até o mesmo período. Além disso, 100% das matérias primas prioritárias serão de origem responsável até 2030.