Quem ainda acredita que carne cultivada em laboratório é ficção científica pode ir se preparando para mudar de ideia. A JBS e a BRF, duas gigantes brasileiras que figuram entre as maiores produtoras de proteína animal do mundo, detalharam nesta quarta-feira (10), na Food ingredients South America (FiSA), os investimentos recentemente feitos nessa frente. A 24ª edição do evento, realizado pela Informa Markets com uma nova proposta figital (físico + digital), continua hoje (11) no São Paulo Expo, combinando conteúdo de alta qualidade com oportunidades de negócios e networking no pavilhão, além de transmissões online na plataforma Fisa Xperience.
A JBS está investindo cerca de US$ 60 milhões no JBS Biotech Innovation Center, primeiro centro de pesquisa e desenvolvimento de proteína cultivada no Brasil. O complexo é resultado da aquisição do controle da espanhola BioTech Foods, e será instalado no centro tecnológico do Sapiens Parque, em Florianópolis. “O local terá como foco o desenvolvimento de tecnologia própria, visando tornar mais eficiente, escalável e financeiramente competitivo o nosso processo produtivo”, afirmou Luismar Marques Porto, presidente da nova unidade, em um dos painéis mais aguardados da programação do Summit Future of Nutrition, atração tradicional da FiSA.
A mesma sessão abordou a parceria firmada pela BRF com a israelense Aleph Farms, para o desenvolvimento de tecnologia para a produção da carne de cultivo a partir de “células bovinas não modificadas geneticamente”, conforme ressaltou Fábio Bagnara, diretor de R&D da empresa brasileira. Gary Brenner, diretor de desenvolvimento de mercado da Aleph Farms, destacou a importância do mercado brasileiro para novas fontes de proteínas, aproveitando para compartilhar uma previsão. “Em pouco tempo, os filés de carne cultivada serão realidade no mercado e na mesa do consumidor, substituindo as massas proteicas conhecidas atualmente”.
Transformação digital engata marcha rápida
Inteligência Artificial (IA) e a digitalização da indústria de alimentos também foram temas do segundo dia do Summit Future of Nutrition. Cynthia Pereira, diretora de R&D da NotCo, contou que o uso da IA tem revolucionado a formulação dos alimentos da empresa, auxiliado na criação de novos sabores, texturas e até na aparência de produtos finais na categoria plant-based (à base de vegetais). Giuseppe, aliás, é o nome do recurso de IA da empresa. “Não substituímos o ser humano, mas agregamos uma ferramenta que tem ajudado a acelerar o processo”, explicou Cynthia.
A IA também já é utilizada pela Ambev no desenvolvimento de bebidas que atendam às exigências do consumidor, bem como em um sistema de rastreabilidade capaz de acompanhar grande parte de sua produção, inclusive na área agrícola, segundo a Head de Inovação da empresa, Paula Guedes de Mendonça. Grande especialista no tema, Marcos Lohman, da Intercompany, destacou a rastreabilidade como forma de garantir a confiabilidade do consumidor no produto. “Hoje é possível, entre outras coisas, fazer o teste de uma amostra de açúcar transportado para uma indústria, de modo a verificar se ela foi contaminada, por exemplo, com areia. Com o uso de IA, o resultado sai na hora”, garantiu.
É possível alimentar toda população do planeta
O mundo produz comida mais que suficiente para alimentar toda a população do planeta. Mesmo assim, atualmente existem cerca de 800 milhões de pessoas em insegurança alimentar e esse número pode chegar a um bilhão dentro de cinco ou seis anos. Alguns dos motivos são o desperdício e as perdas ao longo das cadeias de abastecimento. Os dados foram apresentados pelos representantes de órgãos da ONU (Organização das Nações Unidas), que participaram da FiSA, no final do dia anterior (09), no painel “Alimento do Futuro”.
Gustavo Chianca, representante assistente no Brasil da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), acredita que é possível mudar essa situação. Mas destaca fatores capazes de impedir que esses alimentos cheguem principalmente às pessoas mais vulneráveis. “Primeiro, temos o risco do conflito entre a Ucrânia e a Rússia perdurar por muito tempo e até mesmo se expandir para outros países. Ainda existe o risco de a crise climática se agravar”.
Igor Carneiro, Oficial Sênior de Programas no Centro de Excelência contra a Fome do WFP (World Food Programme), maior agência humanitária do mundo, ligada à ONU, que fornece em média, a cada ano, alimentos a 90 milhões de pessoas em 80 países, ressalta que as perdas nas lavouras estão entre 10% e 15%. “O maior desperdício ocorre nos pontos finais de revenda e com os consumidores. Precisamos mudar a cultura de, somente pela aparência, rejeitarmos alimentos perfeitamente adequados para o consumo. Ademais, falta uma legislação que permita a restaurantes doar sobras”, observou.
Alcione Silva, fundadora da Connecting Food, empresa de impacto socioambiental positivo que trabalha na gestão inteligente de doação de alimentos excedentes para reduzir o desperdício, viabilizando a conexão entre estabelecimentos e Organizações da Sociedade Civil (OSCs), destacou o papel dos governos na elaboração de políticas públicas para mitigar as perdas e desperdícios de alimentos. “Não dá para apenas a sociedade civil trabalhar nesse sentido. É preciso que o poder público também esteja atento a esse problema. Não existe uma solução única, mas um conjunto de medidas que precisam ser tomadas”, concluiu.
A FiSA termina nesta quinta-feira, 11, apresentando painéis sobre ingredientes funcionais e novas soluções disponíveis no mercado, à base de cannabis, cúrcuma, cálcio e outras substâncias. Mais informações e a programação completa podem ser conferidas neste link.
Serviço:
Food ingredients South America 2022
Data e local do evento físico: 09 a 11 de agosto, no São Paulo Expo (Rodovia dos Imigrantes, km 1,5 – Vila Água Funda – São Paulo, SP)
Horário de visitação: 13h às 20h.
Mais informações, credenciamento e inscrição: clique aqui.
