Na última década pudemos observar o crescimento das dietas vegana e vegetariana em todo o mundo, impulsionado principalmente por preocupações com a saúde, bem-estar animal e o meio ambiente. Segundo levantamento realizado pelo IBOPE, aproximadamente 14% dos brasileiros se consideram vegetarianos - montante que representa um aumento de 75% em comparação a 2012.
Já de acordo com dados da Euromonitor International, fornecedora independente de pesquisa de mercado estratégico, a previsão é que o faturamento de produtos vegetarianos e veganos alcance a marca de US$ 51 bilhões.
Esse cenário levou a uma intensificação não apenas da procura por alimentos à base de plantas, como também por opções que imitassem os gostos, texturas, cheiros e cores de comidas de origem animal. Atentas a essa crescente demanda, as empresas do segmento alimentício passaram a focar seus esforços no desenvolvimento desses produtos, e atualmente temos grandes marcas como Sadia, Seara, Hellmann’s e Nestlé oferecendo opções veganas – esta última, inclusive, estima que seus produtos veganos superarão US$ 1 bilhão em vendas até 2029.
Mas, para conseguir produzir alimentos que atendam às necessidades alimentares específicas desse grupo, é preciso muita pesquisa, desenvolvimento de produtos e testes. Por isso, atualmente existem profissionais que são essenciais para trazer os projetos do papel para a realidade: os cientistas.
Eles têm sido fundamentais para o desenvolvimento de novas tecnologias e alternativas alimentares, como a carne de laboratório. Essa inovação revolucionária promete oferecer uma alternativa sustentável à carne convencional, reduzindo significativamente os impactos ambientais associados à produção de carne animal, e deve se popularizar cada vez mais entre aqueles que buscam consumir carne de uma maneira mais consciente e ecológica.
Recentemente, pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) receberam R$ 2,4 milhões da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), agência pública de fomento à inovação, para tentar criar carne bovina cultivada a partir de células animais em ambiente controlado. No ano passado, a Embrapa Suínos e Aves divulgou que estava desenvolvendo uma carne de frango também cultivada em laboratório. Já no setor privado, tivemos o anúncio da JBS de que vai investir R$ 495 milhões para se estabelecer como uma das maiores produtoras desse tipo de alimento do mundo.
Mas como exatamente ela é produzida? A carne de laboratório é feita a partir da coleta de células de animais, sem a necessidade de que sejam criados como bens de consumo e depois abatidos. Essa técnica tem o potencial de reduzir o sofrimento animal, diminuir a emissão de gases de efeito estufa, o consumo de água e a degradação ambiental causadas pela agropecuária – pautas que são de extrema importância não apenas para defensores do veganismo e vegetarianismo, como também para carnívoros que buscam ser mais sustentáveis em sua rotina de alimentação.
Mas, ainda que o seu consumo esteja crescendo globalmente, esse tipo de alimento enfrenta desafios técnicos e regulatórios, que vão desde a identificação das células mais adequadas, passando pelo desenvolvimento de métodos eficientes de cultivo em larga escala, até a desmistificação de como é produzido, se traz algum dano à saúde e se sua produção fere alguma lei.
Em setembro de 2023, foi apresentado pelo presidente da Comissão de Agricultura da Câmara um projeto de Lei que impossibilitaria a reprodução, importação, exportação, transporte e comercialização da proteína de laboratório. Portanto, não há dúvidas de que há uma série de obstáculos a serem superados antes que esse alimento possa de fato se tornar uma alternativa viável, acessível no mercado e consumida amplamente.
No entanto, apesar dos desafios, seu potencial de transformar a indústria alimentícia e diminuir os impactos negativos da agropecuária é inegável. Mas isso só vai acontecer quando os investimentos forem direcionados para pesquisas e desenvolvimento nessa área, por isso temos um longo caminho pela frente até que a carne de laboratório se torne parte da dieta global.
É preciso que a própria sociedade tome conhecimento do real impacto ao meio ambiente que o seu consumo traz, já que isso dificilmente virá de quem detém o mercado ou cria as leis. Portanto, é nosso dever escolher e priorizar aquilo que de fato muda o mundo e vai além dos nossos interesses e desejos para um bem maior.
*Bruno Russo é Gerente de Contas da Corning na América Latina e Caribe, uma das líderes mundiais em inovação da ciência de materiais que desenvolve produtos para as áreas de comunicações ópticas, eletrônicos móveis de consumo, tecnologias para displays, automóveis e ciências da vida