As pessoas, desde os jovens aos idosos, têm poucas oportunidades de sociabilidade e lazer em uma sociedade moderna onde se estuda, trabalha, perde-se tempo em deslocamentos, atendimento de burocracia, ida a bancos etc. Evoluímos para comunidades mais fechadas, conservadoras, autoritárias, restritivas, quando a saída está do outro lado.
Entre os locais mais acessíveis onde se pode ter sociabilidade e lazer, joie de vivre, como dizem os franceses; happy hour, como dizem ingleses e americanos; curtir, jogar conversa fora, paquerar, brindar e tomar um chope, como é comum no Brasil; é o bar.
Nele, se discute futebol, trabalho, relações familiares, namoro, alegrias, tristezas, enfim, tudo que se tem direito, de forma descontraída. É onde se descobre, se cultiva e se enriquece amizades. Evidente que locais como esses são mais necessários ainda nas grandes cidades, tensas, inseguras e poluídas. Às vezes o bar é o único ponto de luz, a única porta aberta e acolhedora na rua escura, é a porta onde nem precisamos bater ou pedir licença para entrar e sermos bem recebidos.
Não bastasse isso, bares mantém uma média de cinco funcionários por unidade, além de comumente dois pequenos empresários em média (SEBRAE). Em Campinas, para citar o exemplo de uma cidade que sofre esta ameaça, há um projeto de lei para fechar bares às 22h. A cidade possui cerca de quatro mil desses tipos de estabelecimentos: são vinte mil empregos e meio de vida de oito mil empreendedores, gente que economizou e investiu, gerando atividade econômica, portanto também tributos e serviços.
Como reduzir a atividade econômica, em especial em meio a uma crise interminável? São ainda os bares, nas grandes cidades sem praias, as mais procuradas e mais bem avaliadas atrações tanto para turistas domésticos como internacionais. A pesquisa foi feita pelo SEBRAE para São Paulo, mas segundo experts, não há porque não a estender às demais cidades.
Os empreendedores, os que deixaram de adquirir objetos de desejo para com suas economias investirem nessa atividade econômica, não o fazem antes de examinar as regras municipais, estaduais e federais, as normas jurídicas que regem a iniciativa privada, trabalhistas, tributárias, e proteção ao consumidor, responsabilidade civil, locação de ambientes, segurança de clientes, analisam o retorno do investimento.
Já não é fácil evitar a mortalidade, que atinge praticamente 50% dos empreendimentos em dois anos. Como aceitar mudanças em um acordo, um contrato mais que estabelecido?
Como aceitar que se mudem regras do jogo, proibindo a atividade em horários antes permitidos e importantes para o equilíbrio das contas, para manutenção dos empregos? E que sem dúvida é uma expectativa jurídica legítima, a manutenção das regras do jogo, a preservação das leis que estimularam a abertura de um negócio?
Alguém pode objetar dizendo que se quer apenas o fechamento mais cedo, mas quem pode garantir que isso não gerará um desequilíbrio entre receita e despesa, afinal, a receita irá diminuir, mas a despesa continuará a mesma, pois temos entre os maiores itens de custos, gestão, aluguéis, manutenção, salários e dezenas de leis impondo obrigações.
Segundo certas autoridades, é para acabar com abusos. Mas como penalizar milhares de trabalhadores e empreendedores, por que este ou aquele abusa?
E tem os que dizem que bares estimulam a criminalidade. Mas como? Oferecer lazer às pessoas não resulta no contrário? Menos tensão e mais descontração leva à violência? E por que não prender os criminosos e deixar que os demais milhões de brasileiros continuem a usufruir dos bares? Já não há falta de lazer? De empregos? De tributos? De atividade econômica?
A cidade já não está deserta à noite, entregue aos criminosos. Por que não gastar tanta energia cuidando da segurança, da limpeza, da saúde, da educação, de melhorias no transporte, de reduzir a poluição... E manter esse mínimo de liberdade do cidadão sentar no bar e tomar seu chopinho sem perturbação do político.
*Artigo escrito por Percival Maricato, presidente a Abrasel-SP e colunista da Fispal Digital.