Mesmo imperceptíveis a olho nu e frequentemente passando despercebidos, os microrganismos permeiam todos os ambientes. Enquanto alguns podem desencadear doenças, outros coexistem pacificamente, sem exercer influência, e há até aqueles que contribuem positivamente para o funcionamento do corpo humano.
Com a produção de alimentos não é diferente. Enquanto precisamos definir normas e processos rígidos para evitar a contaminação dos alimentos por microrganismos, algumas dessas formas de vida microscópicas também desempenham uma parte importante no processo de fabricação de alguns produtos.
É aí que entra uma ciência chamada microbiologia de alimentos, que busca estudar as correlações entre os microrganismos e os produtos alimentícios. Assim, é possível encontrar formas de evitar a contaminação, mas também desenvolver processos produtivos inovadores utilizando esses organismos microscópicos.
Neste artigo, vamos abordar essa ciência, oferecendo uma visão clara sobre o que é microbiologia de alimentos, porque é essencial e como suas complexidades podem ser gerenciadas para garantir a qualidade e segurança dos produtos da indústria.
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O que é microbiologia de alimentos?
Trata-se de uma ciência cujo objetivo é analisar a relação entre os alimentos e os microrganismos. A palavra “microbiologia” tem sua origem etimológica no grego: mikros (pequeno), bios (vida) e logos (ciência), ou seja, é, literalmente, a “ciência da vida pequena”.
Portanto, a microbiologia ocupa-se de estudar formas de vida muito pequenas, microscópicas, como vírus, bactérias, protozoários e fungos, e suas atividades biológicas.
A microbiologia de alimentos, por sua vez, estuda a relação desses microrganismos com os produtos alimentícios fabricados pela indústria.
Dessa forma, esta área de estudo investiga como esses organismos impactam as propriedades de alimentos destinados ao consumo humano ou animal.
Tal influência pode assumir tanto uma natureza prejudicial, quando a ação dos microrganismos torna o alimento inadequado para consumo, quanto benéfica, quando ela contribui para melhorar características específicas do produto. No contexto da indústria, compreender essas interações é fundamental para garantir a segurança e a qualidade dos alimentos.
Assim, o estudo dessa ciência é necessário em dois sentidos. Primeiro, porque ajuda a pensar nos processos de produção, distribuição e armazenamento dos alimentos, a fim de evitar a contaminação. Segundo, porque resulta em estudos que visam desenvolver novos processos produtivos utilizando microrganismos.
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Qual a relação dos microrganismos com os alimentos?
Em relação a um alimento, os microrganismos podem ser classificados de três formas: deteriorantes, patogênicos ou transformadores.
Os microrganismos deteriorantes são aqueles que, ao interagirem com o produto alimentício, causam reações físicas e químicas que o deterioram, tornando-o impróprio para consumo. Esse processo é normalmente notado por meio de alterações no cheiro, cor, aspecto, textura e sabor do produto.
Já os microrganismos patogênicos são aqueles que causam as chamadas doenças transmitidas por alimentos (DTAs). Em geral, eles contaminam os produtos devido a condições precárias de higiene em alguma fase do processo de produção, transporte, armazenamento ou manuseio, seja no nível industrial, comercial ou até mesmo doméstico.
Esses organismos, quando consumidos com o alimento, causam infecções e intoxicações.
Os microrganismos transformadores, por sua vez, são aqueles utilizados deliberadamente durante o processo produtivo, pois possuem algum efeito desejado e benéfico. Alguns exemplos são:
- Leveduras, utilizadas no processo produtivo da cerveja e também como fermento para pães, bolos, biscoitos etc.;
- Fungos, usados na fermentação de queijos e muitas vezes consumidos diretamente, como os cogumelos;
- Bactérias utilizadas na fabricação de vegetais em conserva, salames e na fermentação do leite, iogurte e queijos.
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Fontes de contaminação microbiológica
Com a exceção do caso dos microrganismos transformadores, que são colocados em contato com os alimentos de forma controlada e deliberada a fim de conseguir um efeito desejado, todos os outros processos produtivos devem ser realizados para diminuir o risco de contaminação microbiológica.
Uma contaminação acontece quando qualquer objeto, substância ou organismo indesejado entra em contato com o produto, em qualquer etapa do seu processo de produção, distribuição e manuseio para consumo.
“A adoção da segurança alimentar permite a obtenção de produtos com qualidade nutricional e sensorial, mas fundamentalmente, com qualidade higiênica e sanitária, isentos de contaminantes químicos, físicos e biológicos que poderiam colocar em risco a saúde e integridade do consumidor”, afirma Fernanda Salomoni Becker, Engenheira de Alimentos e docente do curso de Engenharia de Alimentos da UFG (Universidade Federal de Goiás), em entrevista ao Food Connection.
A principal maneira de garantir a segurança alimentar é estar atento aos processos produtivos, evitando as principais causas de contaminação de alimentos. Conheça algumas a seguir.
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Controle inadequado de temperatura
Algumas etapas do processo produtivo dos alimentos requerem temperaturas específicas, como o cozimento, a pasteurização, o resfriamento, a estocagem e o transporte, por exemplo. Qualquer anomalia no controle da temperatura durante esses processos pode facilitar a proliferação de microrganismos infecciosos.
Higiene ineficaz
O cuidado com a higiene, tanto pessoal quanto do ambiente, deve ser constante em todas as etapas produtivas. Todos os profissionais responsáveis por manusear os alimentos precisam realizar a higiene correta das mãos e utilizar o vestuário indicado para o trabalho, como luvas, aventais, botas, máscaras e toucas de proteção.
Quando falamos do local de trabalho, tanto a higiene pré-operacional quanto a operacional são essenciais para evitar a contaminação. A empresa deve estabelecer processos específicos para a higienização do local e realizar controles periódicos para garantir que as instruções estão sendo seguidas.
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Falta de controle dos processos
A forma mais eficaz de garantir que tudo siga de acordo com a norma na produção de alimentos é ter processos muito bem definidos e que sejam seguidos à risca. Todos os funcionários que participam da cadeia devem saber exatamente quais são os passos a serem seguidos.
É de responsabilidade da empresa fornecer o treinamento e os equipamentos e recursos necessários para que a equipe execute as tarefas sempre de acordo com os processos.
Além disso, é necessário realizar um controle e fiscalização constante, a fim de verificar falhas e problemas quando estes ocorrerem.
Controle de qualidade e análise microbiológica dos alimentos
A análise microbiológica dos alimentos faz com que seja identificada a presença de microrganismos ou substâncias químicas nos alimentos. Essa é uma etapa do controle de qualidade da indústria que evita que itens contaminados sejam enviados para consumo.
Essas análises são realizadas por profissionais técnicos qualificados na área de microbiologia, e oferecem uma identificação detalhada de estruturas invisíveis a olho nu que possam estar presentes nos alimentos.
A realização de análises microbiológicas deve atender legislações específicas da área, como a RDC n°331 e a Instrução Normativa N° 60, de 23 de dezembro de 2019, que traz os padrões microbiológicos que devem ser seguidos pelos fabricantes de alimentos.
RDC n°331 e Instrução Normativa N° 60: as legislações que regulam os padrões microbiológicos de alimentos
A realização de análises microbiológicas deve atender legislações específicas da área, como a RDC n°331 e a Instrução Normativa N° 60, de 23 de dezembro de 2019, que trazem os padrões microbiológicos que devem ser seguidos pelos fabricantes de alimentos.
A RDC n°331 dispõe sobre os padrões microbiológicos de alimentos e sua aplicação. Ela se aplica a toda a cadeia produtiva de alimentos, desde a produção até a comercialização, e estabelece os conceitos, as definições, os critérios e os planos de amostragem para avaliar a qualidade e a segurança dos alimentos.
A resolução também define os limites microbiológicos para cada tipo de microorganismo, suas toxinas ou metabólitos, que podem classificar os alimentos em qualidade aceitável, qualidade intermediária ou qualidade inaceitável.
A Instrução Normativa N° 60 complementa a RDC n°331 e estabelece as listas de padrões microbiológicos para alimentos prontos para oferta ao consumidor. Ela define os alimentos que devem ser analisados, os microorganismos que devem ser pesquisados, os métodos analíticos que devem ser utilizados, e os critérios de aceitação ou rejeição dos lotes de alimentos.
A IN também orienta sobre a investigação de surtos de doenças transmitidas por alimentos (DTA), conforme as diretrizes do Ministério da Saúde.
Essas legislações têm como objetivo garantir a qualidade e a segurança dos alimentos, proteger a saúde dos consumidores, prevenir e controlar as DTA, e harmonizar os padrões microbiológicos com as normas internacionais.
Portanto, é fundamental que os profissionais da indústria cumpram as exigências dessas legislações e realizem as análises microbiológicas de forma adequada e periódica.
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