A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei 12.305/2010, considera logística reversa o “instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada”. Em termos gerais, trata-se da operação de recuperação de embalagens e outros materiais descartados e a sua reinserção na cadeia produtiva, de forma a maximizar a utilização dos insumos com a sua reciclagem e reutilização, quer seja nos próprios processos produtivos originais ou servindo de insumos para outros produtos.
A própria PNRS estabelece a responsabilidade compartilhada dos fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes, consumidores e serviços públicos de limpeza urbana e manejo de resíduos, pelo ciclo de vida dos produtos, visando à minimização dos resíduos sólidos e rejeitos, e, consequentemente, dos efeitos nocivos à saúde humana e à qualidade ambiental. Essas preocupações e responsabilizações são fundadas e necessárias, visto que estudos apontam que a decomposição de resíduos sólidos pode levar até 500 anos para o caso do alumínio, baterias, pilhas e tampinhas de garrafa, até 450 anos para o caso de plásticos, e pode inclusive ser indeterminado como para louças, vidros e pneus.
Os consumidores e a sociedade têm impulsionado a consciência corporativa e governamental aumentando a demanda por produtos e serviços mais “limpos”, gerando menos resíduos. As empresas há alguns anos consolidam suas práticas, e hoje destinamos praticamente 100% dos resíduos gerados na produção para nossas cadeias de consumo ou outras produtivas. A exemplo disso, as latas eventualmente amassadas e as garrafas quebradas na manufatura de bebidas são destinadas para os próprios fornecedores, sendo reprocessadas e retornando como novas embalagens. Também trabalhamos com práticas como a destinação de pneus consumidos pela frota para a indústria de grama sintética, do lodo industrial para a fabricação de tijolos em comunidades e para compostagem de jardins, hortas e pastagens, além de outras alternativas em parcerias com as comunidades locais às plantas fabris.
No que tange aos resíduos pós-consumo, descartados pelos consumidores, as empresas têm a opção de realizar a compensação ao garantir que volumes de embalagens do material equivalente foram coletados pós-consumo e reciclados. Essa compensação consiste na alternativa dos créditos de reciclagem, que asseguram aos catadores e cooperativas renda extra para a coleta e a correta destinação de embalagens de plástico e vidro, por exemplo. Esse processo é certificado por empresas que, por sua vez, são auditadas, garantindo o compliance do processo como um todo. Isso possibilita a associações e empresas para a aquisição de créditos pelas certificadoras e em concorrências públicas, como em SP, e o aceite de tais compensações pela entidade reguladora CETESB (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo).
O pioneirismo do Estado de São Paulo com a CETESB ao estabelecer um formato efetivo de fiscalização e cumprimento da PNRS, vem sendo objeto de consulta pública expandida para outros Estados da Federação. A tendência, inclusive, é o aumento da meta atual da responsabilidade pela correta destinação de no mínimo 22% dos resíduos pós-consumo até chegarmos nos 50, 80 e, por que não, 100%. Essa abordagem vem suscitando ações para adequação e viabilização das operações de coleta e destino nos demais Estados. Nessa linha, no Mato Grosso do Sul, diversas parcerias formaram hubs de coleta e destinação de resíduos, possibilitando a constituição de um sistema eficaz de créditos de reciclagem no Estado. O desafio agora está no Amazonas, cuja infraestrutura deve contemplar, para viabilização, o transporte de cabotagem, no caso do vidro, para destiná-los aos fabricantes de garrafa por um preço competitivo. Em suma, os órgãos públicos têm se posicionado e com a atuação criativa e inovativa da iniciativa privada, tem-se encontrado soluções para operacionalizar a logística reversa de forma saudável, possibilitando a recuperação dos resíduos sólidos urbanos mesmo onde suas práticas mostravam-se economicamente inviáveis num passado próximo.
Voltando à PNRS, em seu artigo 8º tem como seu instrumento a educação ambiental, todos os esforços chegarão a um limite se não houver uma conscientização em massa da nossa população e a sua atuação no sentido de retornar corretamente os RSU (resíduos sólidos urbanos) após o uso. A melhor embalagem que existe é a retornável, o ideal é voltarmos a nos habituar com a troca da embalagem aos pontos de venda, na troca por outra do mesmo tipo de produto, como nossos pais ou avós faziam com a garrafa do leite (daí vem o termo milk run hoje muito usado no lean manufacturing) e até no vasilhame de cerveja, que virou prática quase que somente de bares e alguns restaurantes. No caso do vidro, uma garrafa de bebida pode recircular em média 15 vezes pelo processo envase e consumo, bastando para retornar à produção a assepsia garantida na indústria. No caso dos descartáveis (como latas, contenedores de alimentos etc.) o consumidor consciente já está separando seu lixo residencial e os destinando nos pontos de coleta para reciclagem, mas, infelizmente, essa parcela da população é ainda minoritária e insuficiente inclusive em muitos casos como o do vidro para repor na cadeia de produção os 22% do que se estabelece por lei em todo o país. Numa provocação, a desculpa está na ausência ou na dificuldade em encontrar-se locais para destinação do resíduo, mas para adquirir os produtos vale o deslocamento de veículo ou o custo do frete do marketplace (que mesmo quando é gratuito tem seu custo diluído na operação).
Em palestra recente de Ailton Krenak, assim como em seu livro “Ideias para adiar o fim do mundo”[1] com a citação que segue, o líder indígena e ambientalista, quando questionado acerca do que fariam os índios face à situação do Brasil e, recentemente, à pandemia do COVID-19, sua resposta foi simples e objetiva: “tem quinhentos anos que os índios estão resistindo, eu estou preocupado com os brancos, com o que vão fazer para escapar dessa”. Da mesma forma, não temos que nos preocupar com o fim do Planeta e sim respeitá-lo realmente para o bem do próprio homem. Se reduzirmos drasticamente a fartura que dispomos e formos extintos por consequência de nossa própria negligência, em 1.000 anos não haverá mais plástico nem latinhas de alumínio nos mares, e a Terra encontrará aos poucos seu novo equilíbrio, pena que talvez somente as baratas sejam os seres-vivos caso concretizemos essa indesejada hipótese.
[1] Krenak, A. (2019). Ideias para adiar o fim do mundo (Nova edição). Editora Companhia das Letras.