O Lean e o Green aparecem cada vez mais associados sobretudo nas indústrias, o que não apenas reforça a ideia de integração entre o pensamento enxuto e a Sustentabilidade, mas traz uma nova perspectiva para as duas abordagens. Ela confirma a vocação do lean, que vai além da redução de desperdícios com foco apenas em custos, numa abordagem financeira, mas ocupando-se também das dimensões sociais e ambientais que implicam em tais melhorias. Ao mesmo tempo, a Sustentabilidade assume uma aura prática e estratégica, intensificando sua associação com os fins organizacionais que devem ser ligados à produtividade e à geração de lucros, sem descuidar contudo das demais dimensões, atendendo plenamente o Triple Bottom Line (TBL).
Um princípio que associa a Sustentabilidade com os negócios e atende às orientações expostas é o da Economia Circular, que suscintamente consiste na eliminação da geração de resíduos e, na sua impossibilidade, no correto destino destes de forma que retornem ao processo produtivo, atendendo assim às três dimensões ambiental, social e econômica do TBL da Sustentabilidade. Segundo Weetman[1], a Economia Circular vai além da “reciclagem” ou do envio de “zero lixo para aterros sanitários”, ampliando a cadeia de valor de forma a abranger todo o ciclo de vida do produto desde sua concepção até a recuperação de valor das antigas sobras. Assim, além dos resíduos gerados dos processos fabris ou pelos serviços prestados, a circularização mostra a preocupação com desenvolvimento de soluções, quer sejam produtos ou serviços, e a avaliação de toda a cadeia de fornecimento, num ciclo que considera sobretudo o negócio, com o destino adequado dos rejeitos, gerando faturamento para a organização com um subproduto que pode ser realocado na cadeia produtiva, e até então proporcionava apenas perda financeira.
Num exemplo que praticamente exaure os desperdícios de geração final de resíduos, em seu artigo “É Hora de Renascer”, a Srª Aoki nos contou a história do quimono, vestuário tradicional japonês, feito de tecido sem recortes e confeccionado somente com panos retos e cortados em tamanhos específicos, para facilitar os ajustes. Assim, um quimono era “eternizado”, usado por diversas gerações de uma mesma família e, quando necessário, ajustado para as novas gerações da família. Quando se encontrava em farrapos, o tecido gasto e amaciado servia para a confecção de fraldas. Na sequência, o resto das fraldas servia como enchimento para acolchoados, ou então eram cortados em tiras, com as quais eram feitos os chinelos da época.
Citando um caso dos nossos dias, a recuperação de garrafas de vidro não retornáveis pode reintegrá-las como insumos para a composição de novas embalagens de vidro, atendendo inclusive às premissas normativas que já se encontram presentes ou estão em estudo. Alguns Estados, como São Paulo, já exigem a realização da Logística Reversa de um percentual das embalagens pós-consumo, assegurando sua correta reutilização dentro da lógica da Economia Circular. Nesse sentido, além do atendimento à Política Nacional de Resíduos Sólidos, as empresas e suas associações têm sido proativas ao criarem alternativas viáveis para coleta e destinação das embalagens descartadas após o uso e a utilização de materiais reciclados na composição dos produtos e embalagens.
Dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODs) que envolvem a agenda 2030 da ONU[2], ao menos 10 estão diretamente envolvidos com a Economia Circular, são eles: (1) Fome zero e agricultura sustentável; (3) Saúde e bem estar; (6) Água potável e saneamento; (7) Energia limpa e acessível; (8) Trabalho descente e crescimento econômico; (11) Cidades e comunidades sustentáveis; (12) Consumo e produção responsáveis; (13) Ação contra a mudança de clima global; (14) Vida na água; (15) Vida terrestre. De forma explícita, todas as ODs citadas referem-se à redução drástica da geração de resíduos e a sua reutilização consciente até o limite possível, preservando os recursos naturais do Planeta. Essas diretrizes e a adoção de legislações específicas fazem todo sentido quando analisados sob o prisma de Michael Braungar, que em seu livro Cradle to Cradle[3] trata os resíduos como um erro de design obsoleto e pouco inteligente, herdado de uma época em que havia fartura de capital “natural”. Segundo o próprio autor, a próxima revolução industrial será desencadeada por um modelo baseado em inovações que promovam tanto a prosperidade (econômica) quanto o alimento do futuro das próximas gerações.
No Lean Manufacturing, desde suas origens há sete desperdícios e um oitavo agregado com o tempo, válidos tanto para as indústrias quanto para serviços ou escritórios, reservando-se as devidas adaptações dos termos. São eles: 1. excesso de produção / recursos; 2. defeitos; 3. movimentação desnecessária; 4. espera; 5. transporte; 6. estoque; 7. processamento desnecessário e; 8. não retenção de talentos. Assim, é hora de inserir a geração de resíduos como um nono desperdício, que permite a introdução definitiva dos conceitos da Economia Circular no pensamento enxuto (Lean Thinking).
Com o nono desperdício, não é mais possível falar em sustentabilidade sem o lean, de forma que as empresas e as pessoas não devem mais pensar em negócio sem sustentabilidade ou no verde sem os fins de perpetuidade organizacional, que passa pelo lucro e por sua responsabilidade face à sociedade e pelo respeito / comprometimento com o planeta que deixaremos para as futuras gerações.
[1] Weetman, C. (2019). Economia circular: conceitos e estratégias para fazer negócios de forma mais inteligente, sustentável e lucrativa. Autêntica Business.
[2] ONU. https://brasil.un.org/pt-br/sdgs
[3] McDONOUGH, W., Braungart, M. (2013). Cradle to cradle: criar e reciclar ilimitadamente. São Paulo: Gustavo Gili.