Na transformação digital o caminho é mais importante que o destino. As empresas têm experimentado mudanças consideráveis nos seus processos de fabricação e serviços e nas relações humanas face à tecnologia, mas fazer com que tal movimento resulte em benefícios para a empresa e ao mesmo tempo agregue valor para os clientes tem sido o grande desafio para os profissionais dos mais diversos setores da economia.
Nossa jornada iniciou-se há alguns anos a partir de um planejamento estratégico e seu desdobramento. Procuramos usar bem esse momento para aprendizado e projeção de uma trilha bem definida que nos permitisse mudar a cultura organizacional para a transformação digital na indústria e monitorar os resultados obtidos. Para isso, estabelecemos lá em meados de 2012 uma pirâmide com a lógica de implantação do que viria a ser o Pensamento Enxuto com foco na Indústria 4.0, ilustrada na figura abaixo:
Ilustração: José Henrique Baldacim Franque
No primeiro ano iniciamos com a implantação da base cultural para a organização com o desenvolvimento do pessoal operacional e da liderança fabril para a jornada que pretendíamos seguir, introduzindo sobretudo conceitos da liderança Lean com o intuito de termos uma gestão baseada no aprendizado. Em paralelo, implantamos filosofias e iniciativas como o 5S, a gestão de documentos e a intensificação das boas práticas de fabricação (fundamental em nosso mercado de atuação). O principal objetivo desse passo foi o treinamento das pessoas na disciplina para que as mudanças, quando necessárias, fossem implantadas com consistência e foco.
A seguir, partimos para o desenvolvimento da liderança e do pessoal operacional com a gestão da rotina e a manutenção produtiva total (TPM), o que demorou alguns anos, principalmente devido a alguns erros de estratégia, o que nos possibilitou, consequentemente, muito aprendizado. Tivemos diversos percalços nessa etapa, o que fez reavaliarmos os modelos teóricos e os adaptarmos à nossa realidade fabril, sendo que após dois anos do início tivemos que rever todos nossos conceitos e recomeçar do zero. No que tange ao TPM, abandonamos a teoria clássica e simplificamos ao máximo para encontrarmos uma solução aderente ao nosso chão-de-fábrica, não só eliminando burocracias como quebrando alguns conceitos como a disponibilização de indicadores das células em quadros centralizados, onde a gestão obrigatoriamente passaria ao menos uma vez ao dia devido à rotina de gestão (o gerenciamento diário). Obviamente que não corrompemos os princípios-chave do método, mas chegamos inclusive a simplificar as fases para apenas 3 das 7 existentes e consolidarmos os pilares manutenção autônoma (MA) e manutenção planejada (MP) num único conceito de equipe. Nessa fase o propósito foi a capacitação das pessoas para colocarem e manterem os equipamentos em condições básicas de uso e assumirem as máquinas como suas, princípios básicos do TPM.
Subindo mais um degrau na pirâmide, com a disciplina estabelecida e as máquinas em condições ideais de operação, partimos para a identificação, análise e solução dos problemas assim que identificados. Com o intuito de restabelecermos os melhores padrões de funcionamento das operações, passamos a intensificar o pensamento científico em todos os níveis da empresa, aplicando do método Kaizen A3 para oportunidades de redução de desperdícios e do 6 sigma para diminuição da variabilidade de processos que agregam valor ao produto. Multiplicamos a capacitação nos métodos, iniciando pela alta gestão com cursos de champions (padrinhos dos projetos) com os princípios básicos do pensamento científico, desdobrando-o aos colaboradores por faixas conforme atuação (branca para todos, amarela, verde e preta) pela organização. Um detalhe importante é que treinamos e formamos dois master black belts (máster faixa preta) que hoje são responsáveis pela criação de treinamentos adaptados às nossas necessidades em detrimentos das primeiras formações feitas com consultorias. Nesse período tivemos a principal preocupação de multiplicar a lógica do pensamento científico com o intuito de identificarmos disfunções e melhorarmos continuamente o desempenho do nosso parque fabril.
Estabelecida essa estrutura, alçamos voos para o estudo da confiabilidade na manutenção, uma vez que o maquinário estava em condições básicas e o pensamento científico era usado na eventualidade de falhas. A confiabilidade surge então para acompanhamento da vida útil dos componentes e execução da intervenção e/ou substituição quando realmente necessárias, o que trouxe além de redução de custos o aumento de produtividade das plantas. Nesse momento passamos a direcionar nossos mantenedores para serviços preventivos e não mais “apagando incêndios” no chão-de-fábrica.
Somente nesse momento, quando as manufaturas estavam em condições excelentes de utilização e entregando os melhores resultados possíveis de forma consistente é que começamos a vislumbrar a automação como viável para melhoria do desempenho. Foi então que se apresentaram viáveis e atrativos os elementos da transformação digital como a computação em nuvem, simulações e outras, por se tornarem viáveis face à possibilidade de identificação dos ganhos reais e redução dos riscos de implantação das melhorias para a corporação.
Logicamente que estamos longe do final dessa rota, na verdade ainda somos aprendizes e acreditamos que temos muito a crescer. Contudo, conseguimos identificar claramente que uma evolução tecnológica da indústria 3.0 para a 3.0+, como chamamos nossas fábricas mais modernas, propicia uma redução de cerca de 25 a 30% do custo de transformação do produto (custo total menos a depreciação). Essa confirmação nos permite tangibilizar claramente os efeitos das mudanças e justificar as eventuais necessidades de investimentos com base concreta no retorno financeiro, isso sem falar na sustentabilidade, na economia circular e na segurança que também norteiam nossas decisões.
Vale ainda destacar que os três últimos degraus da pirâmide estão sendo considerados sob a óptica da inovação, que envolve aproximação com o ecossistema de Universidades, aceleradoras e incubadores, polos de pesquisa e startups. Essas parcerias têm nos ajudado a ganhar velocidade nas implantações, uma vez que nos coloca próximos de profissionais, empresas e tecnologias que demoraríamos muito para desenvolvermos internamente. Ao mesmo tempo, temos fomentado o intra-empreendedorismo, que nos trouxe muitos benefícios.
A indústria 4.0 é uma realidade cada vez mais presente nas organizações, mas tem que ser pensada como um caminho a ser trilhado que passa sobretudo pelo desenvolvimento dos colaboradores e da cultura organizacional para que percebamos seus benefícios. Acredito que a reflexão crucial na jornada da indústria é acerca da transformação das pessoas, para que essas assumam o papel de protagonistas nesse processo, pois são elas que percorrem essa estrada das mudanças.
* Agradecimento especial ao José Henrique Baldacim Franque pela ilustração.