A BRF, que tem mais de 30 marcas em seu portfólio e uma receita registrada de cerca de US$ 7,25 bilhões, assinou um memorando de entendimento com a startup de biotecnologia israelense Aleph Farms para comercializar carne cultivada no país sul-americano.
Nos termos do acordo, ambas as empresas desenvolverão e produzirão carne cultivada usando as plataformas de produção patenteadas da Aleph, batizadas de BioFarm, e a BRF distribuirá a carne livre de abate no Brasil. A startup sediada em Rehovot recentemente fechou um acordo semelhante com a Mitsubishi no Japão.
Aleph produz carnes, ou 'carne estruturada', através de um processo de cultivo celular livre de transgênicos que usa linhagens celulares não imortalizadas retiradas de vacas sem prejudicar o animal e sem o uso de soro fetal bovino (FBS), o que tornaria o produto final não vegetariano. Enquanto leva cerca de dois anos para produzir um bife bovino, a Aleph pode cultivar as células animais em um biorreator em cerca de três a quatro semanas.
De acordo com Didier Toubia, cofundador e CEO da Aleph, sua plataforma otimizada permitirá que alcance a paridade de custos com a carne convencional de origem animal quando atingir escala. Os brasileiros irão provar a carne cultivada produzida pela BRF em 2024, embora o produto provavelmente seja lançado em restaurantes antes de chegar às prateleiras dos supermercados, disse Toubia à Fi Global Insights.
Em parceria com a gigante do processamento de carnes, Aleph planeja iniciar nos próximos meses a realização de pesquisas de consumo para entender como os brasileiros enxergam a carne cultivada. “O memorando de entendimento é a primeira fase de uma relação a longo prazo que estamos construindo para levar a carne cultivada para a América Latina e, potencialmente, para outros países da região. Esta primeira fase estabelece as bases de uma relação a longo prazo e inclui, entre outras atividades, extensa pesquisa do consumidor e avaliação regulatória”, afirma Toubia.
Ele acrescenta também que as duas empresas trabalharão para estabelecer comunicações transparentes com o Ministério da Agricultura (Mapa) e a autoridade de segurança alimentar, ANVISA, a fim de garantir a aprovação regulamentar.
Sergio Pinto, diretor de inovação da BRF, disse que a parceria irá oferecer uma escolha de alternativas aos consumidores, otimizar a eficiência e, ao mesmo tempo, reduzir a pressão sobre a cadeia de produção. “Somos uma empresa de alimentos que investe em tecnologia avançada e respeita e alia as novas tendências associadas à sustentabilidade socioambiental. Ao produzir carne cultivada sustentável de alta qualidade, podemos consolidar ainda mais o nosso papel como agentes de transformação na indústria alimentícia, oferecendo as mais recentes inovações na produção de carne”.
Do alimento com capim para cultivado em laboratório
O Brasil é o maior exportador mundial de carne bovina, responsável por 20% das exportações mundiais, e o segundo maior produtor, segundo dados da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
Nos últimos anos, o país se tornou sinônimo de produção de carne bovina - e muitos dos problemas a ela associados, como seu papel no fomento ao desmatamento na Amazônia e no Cerrado brasileiro.
Um estudo recente, publicado no ano passado, mapeou pontos críticos de risco de desmatamento associados à indústria brasileira de carne bovina e revelou um risco desproporcional de desmatamento associado ao mercado doméstico de carne do país. (Os autores do estudo também observaram que a cada nova oportunidade de mercado de exportação, as exportações brasileiras de carne bovina tendem a se expandir para áreas com mais, e não menos, risco de desmatamento).
Os defensores da 'biofarming' argumentam que se os consumidores trocarem a carne de pasto ou soja por carne cultivada em laboratório, o impacto ambiental pode ser significativo.
Consultoria global A.T. Kearney prevê que em 20 anos, apenas 40% do consumo global de carne virá de fontes convencionais de origem animal. Embora os novos substitutos da carne vegana sejam essenciais na 'fase de transição', a carne cultivada ganhará a longo prazo, segundo analistas, escrevendo em um relatório, ‘Como a carne cultivada e as alternativas à carne vão desestabilizar a agricultura e a indústria alimentícia?’
Questionado sobre o que essa transformação significaria para o importante setor da pecuária brasileira, Toubia afirma: “Em relação aos pecuaristas, acreditamos que os sistemas alimentares devem fornecer acesso aos alimentos de uma forma que satisfaça adequadamente as necessidades socioculturais de todos. A transição para sistemas alimentares mais resilientes deve incluir colaborações e parcerias com agricultores para promover sua prosperidade e introduzir novas possibilidades de negócios ou apoiar mudanças de carreira. A carne cultivada é uma oportunidade para os produtores existentes criarem novas fontes de receita junto com a produção convencional. Apoiar e investir na produção local, capacitar comunidades e devolver o controle aos agricultores é uma parte crítica da mudança social e sistemática geral exigida da indústria agrícola e alimentícia.”
Carne cultivada: 'Antes ameaça, agora uma vantagem'
A Dra. Carla Molento, professora responsável pelo primeiro curso de pós-graduação brasileiro em carnes cultivadas, intitulado 'Uma Introdução à Zootecnia Celular', oferecido na Universidade Federal do Paraná desde o ano passado, acredita que o setor tradicional deve se unir ao novo. “Estamos dando aos profissionais envolvidos na produção tradicional de carnes a possibilidade de aderir ao novo sistema alimentar. O que antes era visto como ameaça aos seus empregos agora é visto como uma vantagem.”
O curso, apoiado pela organização sem fins lucrativos The Good Food Institute (GFI), tem como objetivo abordar todo o espectro da carne cultivada como uma inovação revolucionária, que vai desde a ciência e P&D até como a cadeia global de carne poderia ser reorganizada.
O professor do curso, Dr. Germano Glufke Reis, disse: “O futuro dos alimentos já está aqui e traz muitas oportunidades para transformar o sistema de produção para melhor.” O Brasil está prestes a ver o lançamento de um grupo organizado de profissionais interessados em ser pioneiros neste processo e revolucionar a forma como a carne é produzida no país.”
Matéria original: BRF to beef up Brazil’s meat supply with cell-cultured steak