Recentemente tanto as indústrias quanto os consumidores se depararam com a alta no preço dos alimentos e dos insumos para a produção industrial. Alguns fatores tradicionalmente são relacionados a picos nos preços, incluindo aumento no preço do petróleo e mudanças climáticas ou condições meteorológicas imprevistas que afetem safras.
Nos últimos meses, insumos como a soja e produtos da cesta básica do brasileiro, como arroz, óleo de cozinha, leite longa vida e outros registraram um aumento impactante. E há uma combinação de diferentes fatores que contribuíram para essa alta no preço dos alimentos.
Motivadores da alta no preço dos alimentos
A alta registrada foi estimulada por questões multifatoriais, embora interligadas. Tivemos incremento nos custos de produção industrial de alimentos e aumento de demanda no mercado.
Além disso, a aula do dólar elevou o valor de insumos industriais e agrícolas e tornou a exportação mais atrativa. Esse foi também o período de entressafra de alguns produtos, o que gerou diminuição da disponibilidade sob um incremento de demanda em algumas categorias. Tudo isso contribuiu para a alta no preço dos alimentos.
É importante considerar que isso não ocorreu apenas no Brasil. No mercado norte-americano, por exemplo, a pandemia fez com que os preços das compras de supermercado alcançassem a maior alta em mais de 45 anos, especialmente impulsionada pelo aumento nos preços da carne e dos ovos.
"Quando a atual crise de saúde global forçou dezenas de milhares de restaurantes em todo o país a fecharem, os americanos começaram a estocar mantimentos em números sem precedentes. O aumento da demanda, junto com uma série de outros fatores relacionados à pandemia do novo coronavírus, causou grandes interrupções na cadeia de abastecimento de alimentos, resultando em uma alta generalizada dos preços", explica o jornalista e economista Marcio Lima.
Quanto à alta no preço dos alimentos no Brasil, Lima comenta que também é importante considerar que "o cenário atual gerou também escassez de mão de obra especializada na cadeia de suprimentos, especialmente no nível agrícola. E, agora que os preços agrícolas e o preço do petróleo bruto estão altos, os preços dos alimentos processados e não processados também aumentam. Outro fator é que muitas empresas estão lidando com alta nos custos de transporte e comprando equipamentos e reconfigurando fábricas diante das recomendações e exigências em termos de sanitização e para fornecer ao consumidor mais segurança. Alguns desses investimentos são repassados em alguma medida ao consumidor quando a indústria já não tem margens para encarar sozinha os impactos financeiros desses gastos".
Por sua vez Mauro Rochlin, economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV), encaixa o dólar no centro dessa alta no preço dos alimentos. "A questão do cambio é fundamental, já que as commodities têm como referência o dólar. Isso explica não só a alta no preço do arroz, como também dos derivados de soja e outros produtos", afirma Rochlin.
E a alta do arroz?
O arroz, além de protagonista da alimentação dos brasileiros, recentemente também recebeu destaque por sua alta nos mercados. Novamente, diversos fatores contribuíram para isso, incluindo a alta do dólar, entressafra produtiva e desequilíbrio na relação entre oferta e demanda.
Assim, tivemos diversos motivadores que culminaram em uma alta de 120% no preço desse produto nos últimos 12 meses, conforme levantamento do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Universidade de São Paulo (USP).
Na avaliação de Sílvio Farnese, diretor de Comercialização e Abastecimento do Mapa, "o aumento no consumo interno provocado pelo crescimento da alimentação em domicílio por efeito da pandemia de Covid-19 resultou na elevação de preços de alimentos básicos, como o arroz".
Quanto a esse cenário, José Zeferino Pedrozo, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de SC (Faesc) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar/SC), comenta que "apesar do aumento de quase 25% ao consumidor final, os rizicultores ainda não conseguiram compensar os prejuízos das safras anteriores, de acordo com cálculos do Cepea/Esalq. No ano passado, o Brasil ocupou a 97ª posição no ranking de preços em dólar do cereal, com US$ 0,97 por quilo. O arroz mais caro foi consumido no Japão à US$ 4,83, que liderou a lista. Com o câmbio atual, o kg no campo brasileiro, apesar da disparada, situa-se em menos de US$ 0,40".
Pedrozo destaca também que, diante dos prejuízos registrados, muitos produtores migraram para outras culturas, o que levou a uma redução na produção desse insumo. E isso aliado à atratividade atual da exportação do arroz industrializado contribuiu para que, no mercado doméstico, o preço aumentasse.
E como a próxima safra será apenas em fevereiro de 2021, a tendência é de que os preços ainda não retornem a um patamar tão semelhante ao anterior. Entretanto, projeta-se que haja um crescimento na produção do insumo de 7,2% em relação à última safra, o que pode ajudar a equilibrar as contas. Iniciativas governamentais, como zerar a Tarifa Externa Comum (TEC) na importação desse insumo de países de fora do Mercosul, também podem ajudar a equilibrar o cenário.
A alta no preço dos alimentos e os impactos na produção industrial de alimentos
A alta no preço dos alimentos gera diversos impactos na indústria. Muitos insumos e matérias-primas estão com preços mais elevados e/ou baixa disponibilidade, impactando nos custos e na produtividade das empresas.
Conforme o Índice de Preços ao Produtos (IPP), divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que mensura os preços sem impostos e fretes dos insumos para as indústrias, no acumulado deste ano em alimentos, tivemos um incremento nos preços de 22,81%. Além disso, a indústria enfrenta, conforme projeção da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA), um custo médio adicional de produção de 4,8% em razão da Covid-19.
Outro ponto que tem impactado na produção industrial de alimentos nesse cenário são restrições de disponibilidade de insumos para embalagens, especialmente vidro e papelão. Algumas empresas tiveram, inclusive, que reduzir o ritmo de sua produção em razão disso. Há o caso da Sakura, por exemplo, que teve sua produção atrasada e reduzida diante da indisponibilidade de embalagens. E isso gerou também queda de faturamento.
Entretanto, a empresa é também um exemplo de como é possível se adaptar diante desse cenário. Como o food service é um grande cliente dos molhos da Sakura e os restaurantes tiveram seu funcionamento impossibilitado e ainda enfrentam restrições, a empresa, ao invés de oferecer o produto em galões para refil de embalagens postas à mesa, passou a fazê-lo em sachês, atendendo também normatizações sanitárias.
Em relação a isso, as adequações de embalagens estão entre as possibilidades para a indústria lidar com o cenário de alta nos preços. Pacotes e porções menores para itens mais indulgentes ou pacotes maiores, tamanho família, para um melhor custo-benefício em itens de maior consumo, podem ser avaliadas.
Outras ações podem incluir o uso de colheitas subutilizadas e de subprodutos para buscar mais equilíbrio financeiro e redução de desperdícios. A biomassa de cana de açúcar e de banana, por exemplo, têm recebido novos olhares da indústria tanto para o lançamento de produtos de apelo sustentável e para gerar uma nova receita quanto como fonte de energia alternativa.
Nesse cenário, outro impacto da alta no preço dos alimentos a ser considerado é que o consumidor está se aventurando mais nos supermercados, experimentando outros produtos, opções de proteínas, etc. Isso pode ajudar a aumentar a participação de mercado de algumas linhas e marcas.
Por fim, cabe destacar que, apesar da alta no preço dos alimentos e desses desafios na produção industrial de alimentos, a projeção da ABIA é que o ano de 2020 feche com um saldo positivo para essas indústrias, com estimativa de um incremento de até 1% nas vendas reais e de até 11% nas exportações.