Nos últimos anos, o aumento da demanda por produtos prontos com elevados padrões de qualidade tem incentivado a aplicação de novas tecnologias de processamento de alimentos, dentre estas pode-se citar o sistema de cozimento sous-vide. Tal sistema fornece alimentos prontos para o consumo com alta qualidade sensorial e com maior vida útil.
Entretanto, essa técnica não é tão conhecida, e sua aplicação demanda certo entendimento sobre ela, para que o prato saia como o esperado. Bora conhecer?
Leia mais: O que é Selo SIF? Entenda a importância e vantagens da certificação
O que é a técnica sous-vide?
O termo sous-vide é originário do francês que significa "sob vácuo" e consiste na técnica de realizar o cozimento do alimento em embalagens a vácuo, estáveis ao calor, sob temperatura precisamente controlada por um tempo específico, mais longo dos que nos processos convencionais, a temperaturas inferiores aos métodos de cozimento usuais e resfriado rapidamente.
Na literatura científica, este tipo de cozimento também é conhecido como cozimento de longa duração em baixa temperatura (LTLT- sigla proveniente do inglês “low temperature long time cooking”). O controle preciso da temperatura, geralmente em banho-maria e do tempo de cozimento do produto permite maior reprodutibilidade e precisão.
Atualmente, o método têm despertado o interesse das indústrias, principalmente da indústria cárnea, por permitir a elaboração de produtos mais tenros e suculentos.
Quais os equipamentos necessários?
Para conseguir aplicar a técnica sous-vide nos seus pratos, é preciso ter em mãos alguns equipamentos específicos. São eles:
- Sacos ou bolsas plásticas;
- Uma seladora a vácuo;
- Recipiente para água;
- Termocirculador (equipamento que regula a temperatura da água durante o banho maria).
Veja também: Carne de impressora 3D: novidades e tendências do setor
Quais as etapas para aplicar essa técnica?
A aplicação da técnica sous-vide na sua cozinha passa por 4 etapas principais, o embalamento, cozimento, preservação e servimento. Podemos definir cada uma delas da seguinte maneira:
- Embalamento: consiste em embalar o alimento a vácuo, uma vez que sem oxigênio, principal fator de deterioração, ele será melhor conservado.
- Cozimento: após estar embalado, a comida é colocada em uma espécie de "banho maria", com a água em elevada temperatura, mas abaixo do ponto de ebulição;
- Preservação: uma vez cozido, o alimento passa por um processo de ultracongelamento, chegando a -18º C no coração do produto,estando pronto para ser armazenado;
- Servimento: antes de servir o alimento, é necessário retorná-lo a sua temperatura natural, ou seja, voltamos a aquecer a comida para que esteja em condições de ser servida ao cliente.
Quanto tempo deixar a comida no sous-vide?
Segundo alguns estudos, carnes cozidas por um maior período de tempo em temperaturas em torno de 60 ºC possuem menor firmeza e uma aparência mais atrativa quando comparadas às carnes cozidas em altas temperaturas por pouco tempo. Contudo, a temperatura e o tempo necessários para atingir a maciez desejada variam consideravelmente com a espécie, idade, manejo, corte, dentre outros fatores.
Em relação às diversas temperaturas utilizadas nas pesquisas científicas, uma conclusão muito clara e evidente destes trabalhos é que a perda de peso aumenta com o aumento da temperatura, o que impacta diretamente em outro atributo muito valorizado pelos consumidores e atrelado com a maciez que é a suculência.
As perdas de peso são relativamente altas quando as carnes são submetidas ao processo de cozimento convencional em comparação ao cozimento sous-vide, já que com o aumento contínuo da temperatura mais proteínas musculares são desnaturadas. Como essas proteínas retêm a maior parte da água, quando são desnaturadas, a água é liberada causando encolhimento e redução de peso.
Menores perdas de água no método sous-vide, apesar do longo tempo de cocção, são geralmente atribuídas ao aquecimento uniforme e ao vácuo utilizado que não permite que a carne desidrate acentuadamente, além disso a água perdida fica retida na embalagem e é comumente reabsorvida pela carne.
Sendo assim, conseguimos perceber que tanto a temperatura, quanto o período de cozimento é fundamental para que a comida fique saborosa. Mas como saber o tempo e a temperatura ideal? Separamos algumas tabelas para te ajudas!
Veja também: Regulamentação da carne cultivada: qual é o cenário atual?
Tempo e temperatura no sous-vide para carne vermelha
Alimento | Tempo | Temperatura |
---|---|---|
Hambúrguer tradicional | 1:20 | 57.5ºC |
Filé mignon | 1:30 | 56.0ºC |
Costela de boi | 48:00 | 57.0ºC |
Fraldinha | 02:00 | 57.0ºC |
Costela de cordeiro | 04:00 | 56.0ºC |
Cachorro-quente | 1:05 | 61.0ºC |
Picanha | 3:30 | 54.7ºC |
Acém | 24:00 | 57.5ºC |
Almôndegas | 2:20 | 58.5ºC |
Bife de tira | 1:50 | 57.0ºC |
Alcatra | 2:00 | 59.0ºC |
Brisket | 36:00 | 59.0ºC |
Contrafilé | 01:20 | 59.5ºC |
Rosbife | 18:00 | 62.0ºC |
Rabada | 24:00 | 81.5ºC |
Picanha de búfalo | 3:20 | 57.5ºC |
Costeletas de cordeiro com menta | 1:30 | 57.0ºC |
Salsicha de Cordeiro com Mostarda | 1:20 | 62.0ºC |
Língua de Boi com Mostarda e Mel | 24:00 | 74.0ºC |
Bife de Chorizo com Gorgonzola | 2:00 | 54.0ºC |
Maminha | 3:00 | 57.0ºC |
Ossobuco | 24:00 | 71.0ºC |
Cupim | 24:00 | 85.0ºC |
Bife do vazio | 1:00 | 54.0ºC |
T-Bone | 1:40 | 54.5ºC |
Patinho | 8:00 | 58.0ºC |
Coxão duro | 24:00 | 55.0ºC |
Bife de fígado | 1:30 | 59.5ºC |
Bife ancho | 2:00 | 53.5ºC |
Filé au poivre | 1:30 | 54.0ºC |
Carne de sol com mandioca | 9:00 | 83.0ºC |
Entrecôte | 2:00 | 55.0ºC |
Tempo e temperatura no sous-vide para aves
Alimento | Tempo | Temperatura |
---|---|---|
Peito de frango simples | 1:15 | 67.5ºC |
Asas de frango picantes | 2:20 | 66.5ºC |
Peito de frango ao curry | 1:10 | 67.0ºC |
Coxa de frango | 2:00 | 63.0ºC |
Frango inteiro | 6:00 | 71.0ºC |
Linguiça | 1:00 | 72.5ºC |
Peito de pato | 2:20 | 61.0ºC |
Peru | 24:00 | 66.0ºC |
Peito de peru | 1:00 | 67.0ºC |
Pernas de frango | 1:30 | 64.0ºC |
Coxa de pato | 12:00 | 69.0ºC |
Espetinho de frango | 1:00 | 64.0ºC |
Frango frito | 2:20 | 67.5ºC |
Asas de frango | 2:20 | 66.5ºC |
Perna de pato | 12:00 | 76.5ºC |
Codorna | 2:30 | 58.0ºC |
Frango à parmegiana | 1:50 | 64.0ºC |
Asas de frango com molho picante | 2:00 | 74.0ºC |
Tempo e temperatura no sous-vide para peixes e crustáceos
Alimento | Tempo | Temperatura |
---|---|---|
Salmão grelhado | 1:15 | 67.5ºC |
Atum | 1:00 | 46.0ºC |
Camarão | 0:35 | 58.0ºC |
Sirigado ao tempero de peixes | 1:30 | 67.0ºC |
Polvo aos limões | 4:30 | 80.5ºC |
Cauda de lagosta | 1:10 | 59.8ºC |
Lula | 0:50 | 57.0ºC |
Bacalhau | 0:30 | 53.6ºC |
Linguado | 0:40 | 56.5ºC |
Peixe espada | 0:35 | 55.0ºC |
Mexilhões | 0:35 | 70.5ºC |
Vieira | 0:30 | 50.5ºC |
Filé de robalo | 0:30 | 57.0ºC |
Pargo | 0:30 | 55.5ºC |
Filé de tilápia | 0:35 | 55.0ºC |
Ostras com manteiga de pimenta | 0:30 | 58.0ºC |
Truta | 0:30 | 52.0ºC |
Anchova | 0:45 | 54.0ºC |
Sardinha | 1:00 | 58.0ºC |
Pirarucu | 0:50 | 57.0ºC |
Badejo | 0:50 | 55.0ºC |
Tempo e temperatura no sous-vide para porco
Alimento | Tempo | Temperatura |
---|---|---|
Bacon | 6:30 | 63.0ºC |
Ombro de porco desfiado | 24:00 | 72.0ºC |
Lombo de porco | 1:20 | 62.5ºC |
Costelinha de porco | 1:20 | 58.0ºC |
Linguiça | 1:00 | 72.5ºC |
Costeletas de porco | 1:00 | 61.0ºC |
Panceta de porco | 24:00 | 63.0ºC |
Joelho de porco | 18:00 | 73.0ºC |
Filé de Porco | 1:45 | 56.5ºC |
Costelinhas de porco com barbecue | 18:00 | 72.0ºC |
Tempo e temperatura no sous-vide para ovos
Alimento | Tempo | Temperatura |
---|---|---|
Ovo mexido | 0:45 | 77.0ºC |
Ovo perfeito | 1:35 | 63.0ºC |
Ovo bem cozido | 1:00 | 76.5ºC |
Ovo benedict | 0:45 | 64.0ºC |
Tempo e temperatura no sous-vide para vegetais
Alimento | Tempo | Temperatura |
---|---|---|
Batata ao alho | 1:10 | 88.5ºC |
Milho | 0:40 | 87.5ºC |
Champignon | 1:15 | 85.0ºC |
Pasta de alho | 1:30 | 85.0ºC |
Alcachofras | 1:30 | 85.0ºC |
Tomate | 1:00 | 85.0ºC |
Cenoura ao alho | 1:00 | 87.5ºC |
Aspargos | 0:40 | 88.0ºC |
Couve-flor assada | 1:20 | 89.0ºC |
Cebolas caramelizadas | 1:10 | 87.0ºC |
Abobrinha | 0:50 | 85.0ºC |
Berinjela | 1:10 | 86.5ºC |
Alho assado | 1:30 | 87.5ºC |
Espinafre | 0:50 | 87.5ºC |
Principais efeitos do método sous-vide em carnes
O processo de cocção proporciona notáveis efeitos para as propriedades das carnes e produtos cárneos, como aroma, sabor, cor e textura, além da inativação de microrganismos patogênicos e aumento da vida útil.
Devido a um processo de transferência de calor muito eficiente e às condições de cozimento mais brandas com perdas mínimas de água, o método sous-vide permite que atributos de textura e sabor superiores possam ser alcançados, além de maior valor nutricional.
Que tal entendermos um pouco mais sobre os efeitos do método sous-vide na carne?
Figura 1. Ilustração esquemática das etapas do processo sous-vide e os principais efeitos na cocção e textura da carne. 1) Adaptação de Ayub & Ahmad, 2019. 2) Adaptação de Baldwin, 2012. Carne bovina cozida a 55 ºC por 90 min, 3h, 6h, 12h, 24h e 48h.
Textura
A textura da carne se deve, principalmente, ao complexo arranjo e à capacidade de retenção de água das proteínas musculares. Ao serem aquecidas, essas proteínas se desnaturam, ou seja, perdem a sua conformação tridimensional e suas funções são afetadas, causando consequentemente uma alteração na textura da carne.
A desnaturação térmica das proteínas leva a mudanças nas interações proteína-água e encolhimento das fibras musculares tanto no sentido longitudinal quanto transversal, o que resulta em variações na capacidade de retenção de água e perdas de exsudado. As perdas de água do tecido muscular durante o aquecimento contribuem para uma maior percepção de dureza da carne.
Dentre as suas diversas vantagens, o cozimento através do método sous-vide possibilita que diferentes proteínas, responsáveis por várias propriedades do produto final (maciez, suculência, coesão, etc), se desnaturam em diferentes temperaturas permitindo um ajuste das propriedades dos produtos, já que ocorre uma desnaturação seletiva de algumas proteínas, deixando outras intactas.
As alterações de maciez da carne durante o cozimento também estão associadas com a solubilização das proteínas sarcoplasmáticas e do colágeno que resultam na formação de gel quando aquecidos nas condições adequadas de tempo e temperatura. Essa formação de gel leva a uma melhor ligação da água na matriz cárnea.
Assim, carnes com maior teor de colágeno são favorecidas por este efeito com um binômio de baixas temperaturas de cocção por longos períodos. Levando em consideração que a temperatura de desnaturação da actina é superior à do colágeno, o cozimento é realizado em temperaturas baixas o suficiente para manter a actina intacta e ao mesmo tempo desnaturar o colágeno fazendo com que se mantenha um maior teor de água no interior da peça e com isto, maior suculência.
Entenda: Quais são os incentivos fiscais para exportação de carne no Brasil?
Sabor
O sabor da carne é um atributo muito valorizado pelos consumidores, assim como a maciez e a suculência, sendo considerado uma propriedade de difícil compreensão proveniente da combinação de compostos gustativos e voláteis.
Os compostos voláteis são o resultado de uma grande variedade de reações químicas dependentes dos precursores presentes na carne crua e do processo de aquecimento. É amplamente aceito que a maior parte dos compostos aromáticos voláteis que contribuem para o sabor e aroma da carne cozida sejam formados em temperaturas acima de 70 ºC.
Deste modo, o cozimento sous-vide proporciona sabores menos intensos e pronunciados, já que usa baixas temperaturas, assim, o sabor da carne é fornecido por compostos não voláteis juntamente com produtos de degradação de lipídios.
À medida que a temperatura aumenta, os compostos voláteis começam a se formar a partir da degradação dos aminoácidos, dependendo do tempo de cozimento utilizado. Muitos estudos indicam que o aumento do tempo de cocção no método sous-vide se torna mais relevante para a formação de compostos traços de sabor e aroma em determinada faixa de temperatura.
Por outro lado, a maioria das pesquisas nesta área mostrou que a intensidade dos atributos de sabor desejáveis é de média a baixa quando comparada com a carne cozida em altas temperaturas. Tal fato se deve principalmente à falta dos componentes resultantes das reações de Maillard.
Assim sendo, a carne cozida por sous-vide é tradicionalmente selada em altas temperaturas (130-150 ºC) por alguns segundos antes de servir para obter uma aparência mais atrativa (superfície caramelizada) e sabor.
Veja também: Frigorífico sustentável: eficiência e descarbonização na indústria de proteína animal
Segurança microbiológica
A carne, pelo fato de possuir elevada atividade de água e diversos nutrientes, dentre outras condições, é um meio de crescimento ideal para muitos microrganismos, incluindo patógenos como Salmonella, Listeria monocytogenes, Escherichia coli e Clostridium perfringens.
As condições de temperatura aplicadas no método de cocção sous-vide são frequentemente vistas com certa preocupação em relação às questões relacionadas à segurança microbiológica e estabilidade, sendo constantemente avaliadas em vários estudos.
Habitualmente, para a obtenção de carne cozida segura do ponto de vista microbiológico, as instituições de pesquisa e agências governamentais recomendam cozinhar o produto até que o centro geométrico, ou seja, até o ponto de aquecimento mais lento, atinja temperaturas entre 63 ºC e 71ºC.
Desta forma, são necessários tempos de aquecimento mais longos para se obter uma inativação bem-sucedida no método sous-vide, de acordo com o conceito de processamento equivalente. Uma estratégia comum adotada nas pesquisas é selecionar um microrganismo alvo para verificar a segurança do processo de cozimento.
Para sous-vide, Listeria monocytogenes e bactérias patogênicas formadoras de esporos são os principais patógenos de interesse. A Listeria é um patógeno bastante tolerante ao calor e que pode se desenvolver em temperaturas de refrigeração.
Contudo, observa-se na ampla maioria dos trabalhos que o binômio tempo-temperatura ideal para inativar tais microrganismos de interesse variam bastante dependendo das condições iniciais da matéria-prima cárnea, do teor de gordura, tipo de músculo, teor de sal, pH, dentre outros múltiplos fatores, o que dificulta uma certa padronização dos procedimentos que visam garantir a segurança microbiológica.
Embora a manutenção do produto lacrado em suas embalagens originais no método sous-vide evite a recontaminação após o cozimento, esporos de Clostridium botulinum, Clostridium perfringens e Bacillus cereus podem sobreviver ao tratamento térmico moderado comumente adotado no sous-vide.
Portanto, alguns autores recomendam que após o resfriamento rápido os produtos devam ser congelados ou mantidos em temperaturas abaixo de 2,5 ºC por até 90 dias; abaixo de 3,3 ºC por 31 dias; abaixo de 5,0 ºC por 10 dias ou abaixo de 7,0 ºC por um tempo de 5 dias.
Além disso, dada a possibilidade de que tratamentos térmicos suaves possam criar resistência térmica em alguns microrganismos e as variações observadas nas reduções logarítmicas, é altamente recomendável seguir diretrizes rigorosas de higiene para garantir que a carne crua tenha contagens microbianas iniciais baixas e também devem ser considerados o uso de aditivos conservantes como lactato de sódio e lactato de cálcio e/ou antimicrobianos naturais como óleos essenciais e ácidos orgânicos.
Leia mais: Novas ferramentas tecnológicas para tipificação de carcaças
Acompanhe mais dicas de especialistas com Food Connection
O cozimento sous-vide demonstra enorme potencial para reduzir as perdas de qualidade em carnes comparado com as técnicas de cozimento convencionais.
O controle preciso da temperatura e do tempo garantem uma reprodutibilidade superior, cozimento mais uniforme reduzindo o risco de cocção excessiva, obtenção de carnes com texturas mais tenras, eliminação do risco de recontaminação pelo uso das embalagens a vácuo estendendo a vida útil dos produtos e redução das perdas de nutrientes para o meio de cozimento.
Aqui você acompanha diversos conteúdos técnicos e informativos de especialistas, trazendo dicas e novidades para apicar no seu restaurante. Por isso, continue acompanhando Food Connection!