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Processamento acelerado da carne

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Saiba mais sobre as tecnologias utilizadas pelas indústrias cárneas neste artigo de Ana Karoline Câmara.

A maciez da carne é um atributo de qualidade crítico para a aceitação do consumidor, sendo diretamente relacionada com a satisfação, fidelização e repetição da compra e características de diferenciação e agregação de valor. Os principais fatores intrínsecos que influenciam a maciez da carne são o conteúdo/composição do tecido conjuntivo, o comprimento do sarcômero da fibra muscular e a proteólise mediada pela ação de proteases específicas como a µ-calpaína.

Além disso, outro fator de significativa influência na maciez da carne, de acordo com Taylor (2003), é o encurtamento do músculo promovido pelo resfriamento rápido da carne, que pode resultar em uma contração não usual e em uma carne menos macia, fenômeno conhecido como encurtamento pelo frio. Em 1960, Locker relatou em seus experimentos a descoberta do fenômeno do encurtamento pelo frio (“cold shortening”) e forneceu uma valiosa contribuição para a ciência da carne.

À medida que a elucidação e a compreensão dos fenômenos bioquímicos da carne avançaram, tecnologias foram desenvolvidas e implementadas com o objetivo central, porém não único, de melhorar o atributo de maciez. O processamento acelerado é um termo bastante abrangente utilizado para descrever uma série de tecnologias aplicadas desde a produção animal até a obtenção da carne, para atingir a maciez desejada em menor tempo, acelerar a conversão do músculo em carne, reduzir os custos de produção dos frigoríficos e perdas por evaporação durante o resfriamento. Como exemplos destas tecnologias, podemos citar a estimulação elétrica, a desossa a quente e a pendura ou suspensão da carcaça pelo osso pélvico (Figura 1), que serão abordadas neste artigo técnico de revisão.

 

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Exemplos de tecnologias de processamento acelerado da carne. Fonte: Electrical Stimulation Australian Meat Industry Bulletin. Brahman News, June 1999, v. 22, nº 4.

 

Estimulação elétrica (EE)

A estimulação elétrica (EE) é uma tecnologia clássica, amplamente utilizada na indústria de carnes vermelhas para acelerar a taxa de glicólise e iniciar a etapa de rigor mortis mais precocemente. É considerada uma tecnologia clássica porque há registros muito antigos, como por exemplo, de 1749, em que Benjamin Franklin observou que a aplicação da estimulação elétrica em carcaça de peru, logo após o abate, tornava a carne mais macia. Porém, somente na década de 70 a estimulação elétrica começou a ser utilizada comercialmente, com os objetivos principais de evitar o encurtamento pelo frio e, assim, aumentar a maciez da carne.

O processo baseia-se na aplicação de um estímulo elétrico externo (que pode ser com diferentes voltagens) para induzir uma aceleração da contração muscular post mortem, levando a um consumo mais rápido das reservas de ATP musculares. Como o encurtamento pelo frio ocorre quando o músculo pré-rigor é resfriado a temperaturas inferiores a 10 ºC, enquanto o pH ainda é elevado e em níveis residuais de ATP mais altos, se torna claro que se o rigor mortis for concluído antes do resfriamento, este fenômeno que interfere muito na maciez da carne pode ser evitado. Desta forma, este mecanismo de atuação da EE previne a ocorrência do encurtamento pelo frio e contribui para melhores propriedades sensoriais da carne, especialmente a maciez. Além disso, o efeito de maior maciez da carne pode ser atribuído à aceleração da atividade proteolítica e à ruptura física da fibra muscular devido às intensas contrações musculares induzidas pela estimulação elétrica.

Há uma grande variação de metodologias para se realizar a EE, considerando a voltagem e a frequência da corrente elétrica aplicada. Contudo, muitas pesquisas já avaliaram os efeitos de sistemas de estimulação de baixa voltagem (principalmente abaixo de 100 V) e sistemas de alta voltagem (com picos de até 1130 V) e demonstraram eficácia para melhorar a maciez da carne bovina e ovina. O método mais utilizado no Brasil é o de baixa voltagem, por ser considerado mais seguro para os operadores, porém sua aplicação é mais limitada, uma vez que precisa ocorrer em poucos minutos após a etapa de sangria. A aplicação de alta voltagem demonstrou ser mais eficiente, porém os custos operacionais e o alto nível de requisitos de segurança para o uso de equipamentos de alta tensão são preocupações, quando se considera condições comerciais e em escala industrial. Recentemente, sistemas de estimulação de média tensão (pico de 300 V) foram projetados e otimizados na Austrália e têm sido muito utilizados em frigoríficos de abate de cordeiros. Este sistema tem permitido maior segurança aos funcionários ao se comparar com os de alta tensão e demonstraram resultados positivos no aprimoramento das características sensoriais da carne.

Desossa a quente

A desossa a quente é definida como a remoção dos músculos da carcaça antes do resfriamento, no estado pré-rigor, logo após o abate, enquanto ainda são extensíveis. A desossa a quente é uma técnica que possui inúmeras vantagens como a redução das perdas de peso durante o resfriamento e por gotejamento durante o armazenamento, devido à maior capacidade de retenção de água (CRA) das proteínas musculares. A maior CRA se deve ao fato de que o pH ainda se encontra mais elevado (menor desnaturação proteica) e o músculo se encontra menos encurtado, o que fornece maior espaço estérico dentro das miofibrilas para acomodação das moléculas de água. Além disso, é relevante destacar as vantagens econômicas devido ao menor requerimento de espaço físico nos frigoríficos (músculos individuais ao invés de carcaças inteiras) e menores custos de refrigeração (resfriamento mais rápido e de forma mais uniforme) do que as práticas adotadas na desossa convencional.

Ainda em relação aos benefícios deste procedimento, em experimentos realizados nos Estados Unidos, um tipo de medidor de força/tensão foi instalado nos cabos das facas dos funcionários para medir o esforço necessário para a desossa das carcaças a quente. Como resultados foram apontados percentuais significativos de menor esforço necessário na desossa a quente comparada à tradicional, além de um melhor rendimento, considerando as perdas reduzidas por evaporação e remoção mais eficiente da carne dos ossos. No entanto, pelo fato de a textura da carne oscilar com a temperatura, o manuseio das facas na desossa a quente requer maiores cuidados e treinamentos para os operadores, que muitas vezes consideram os cortes mais “escorregadios”, o que pode aumentar o índice de acidentes de trabalho.

Esta tecnologia enfrenta outros vários desafios, dentre os quais pode-se citar a adequação dos frigoríficos à logística operacional de trabalho, tempo de abate e processamento posterior. Além disso, os cortes desossados pré-rigor são mais susceptíveis ao encurtamento devido à perda de fixação no osso e o resfriamento mais rápido, o que aumenta a probabilidade de encurtamento pelo frio. Contudo, este possível problema pode ser prevenido e minimizado com o uso da estimulação elétrica e taxas de resfriamento cuidadosamente controladas, até que a etapa de rigor mortis tenha finalizado. Outra desvantagem da desossa a quente é o maior risco de contaminação e proliferação microbiana, o que exige maiores cuidados com a higiene, tanto do ambiente e utensílios, quanto dos funcionários.

Suspensão da carcaça pelo osso pélvico “Tenderstretch”

A maciez dos músculos está diretamente relacionada com o grau de contração muscular determinado pelo comprimento do sarcômero. Observações científicas em meados da década de 60 já demonstravam que músculos mantidos de forma tensionada (impedindo a movimentação livre dos miofilamentos durante o rigor mortis), foram mais tenros do que aqueles músculos que estavam livres ou sem nenhuma tensão e podiam se contrair. Nos métodos tradicionais de abate a pendura das carcaças ocorre utilizando o tendão de Aquiles para a suspensão durante o resfriamento post mortem. A pendura pelo sistema convencional beneficia os músculos abdominais e torácicos. Hostetler e colaboradores (1972) relataram pela primeira vez que a suspensão da carcaça pelo osso pélvico (obturador forâmen) mantinham estirados vários músculos do quarto traseiro, aumentando o comprimento dos sarcômeros e diminuindo o diâmetro das fibras musculares, o que resultou em carne mais macia.

Na pendura pelo osso pélvico (também denominado “Tenderstretch”), as patas traseiras permanecem em uma posição de 90º (Figura 1) favorecendo um grupo de músculos de maior valor comercial, que permanecem estirados e, portanto, impedidos de se contrair. O Tenderstretch é geralmente aplicado dentro de 45 a 90 minutos após a sangria, enquanto os músculos ainda são extensíveis e no estado de pré-rigor. Se o ângulo da perna traseira for muito menor que 90º, isso indica que os músculos começaram a se contrair e que o método foi aplicado fora do tempo recomendado. Vários estudos comprovam os efeitos positivos da pendura pelo osso pélvico na maciez da carne bovina, ovina e suína ao ser refrigerada rapidamente e com maiores riscos de encurtamento pelo frio.

Contudo, apesar dos benefícios comprovados na textura de alguns cortes cárneos, esta técnica exige maior espaço de armazenamento nas câmaras frias, mudanças estruturais e de layout na linha de abate. Desta forma, os frigoríficos devem sempre realizar um estudo de viabilidade técnica e financeira para estimar se os investimentos necessários serão recompensados com uma maior margem de lucro com a comercialização de cortes reconhecidamente mais macios e, consequentemente, com maior valor agregado.

Considerações finais

Esta revisão permitiu uma elucidação ampla e geral sobre os principais aspectos das tecnologias clássicas do processamento acelerado de carnes. Durante as diversas buscas por fontes bibliográficas com respaldo científico sobre o assunto, foi possível observar que estas tecnologias sofreram, de modo geral, poucas mudanças com o decorrer dos anos, o que é perceptível pela escassez de referências mais atuais.  O processamento de carnes está se tornando cada vez mais complexo e exigente, e a contribuição destas tecnologias precisa continuar evoluindo para fornecer maior flexibilidade, maior previsibilidade, ajuste com os requerimentos de qualidade, viabilidade e padrões de segurança. Além disso, é fundamental que as interações com os sistemas de resfriamento e outras práticas de processamento sejam cada vez mais variáveis consideradas em projetos experimentais. Técnicas de modelagem preditiva podem auxiliar no aperfeiçoamento das técnicas apresentadas e fornecer suporte à indústria cárnea para uma tomada de decisões.

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