Quando tomei a decisão de adotar a Nutrição na minha vida, há quase 40 anos, minha visão e inexperiência sobre a realidade do mundo nessa área era limitada e naturalmente esperada.
Acreditava que o desenvolvimento de produtos, ou o incentivo à produção de alimentos habitualmente não consumidos, contribuiriam para eliminar a fome do planeta como num passe de mágica.
Após anos de atuação como nutricionista, ainda apaixonada pela profissão, vi surgirem dificuldades e descaso com a fome no mundo, debates nem sempre de cunho técnico e muita desinformação. Por outro lado, presenciei o aparecimento de novas tecnologias, estudos e descobertas científicas que permitiram ampliar meu conhecimento em relação aos alimentos e alimentação, que foram muito além das questões fisiológicas e metabólicas, obviamente muito importantes.
Quando olho a nutrição e a alimentação humana nessa questão histórica e social, para mim é nítido o quanto evoluímos em termos de qualidade de vida. E, digo qualidade de vida em seu sentido mais amplo, aquele que envolve saúde, relações sociais, segurança, longevidade, acesso a bens e serviços e busca por momentos de alegria e prazer.
O alimento faz parte da vida. É uma afirmação que parece óbvia, mas às vezes, surgem movimentos ou tendências que tentam transformar o alimento em veneno ou remédio. É certo que o alimento contribui e muito para a promoção da saúde e para a diminuição do risco de doenças, mas, não dá para considerá-lo como um remédio ou a solução do problema. Se fosse assim, as características do alimento ligadas a seu papel social e de prazer certamente estariam comprometidas.
Sim, alimento é agente de nossas relações sociais. Nos reunimos em família e amigos ao redor da mesa para conversar, nos divertir, interagir. A comida é o que nos une e não pode ser vilanizada.
Até a escassez do alimento em situações de pobreza ou de calamidades, desperta, na maioria de nós, a vontade de interagir com o outro.
Assim como não há problema algum em buscarmos momentos de prazer ao consumir determinados alimentos, temos que ter a consciência de que o excesso deles pode nos causar algum prejuízo. Da mesma forma, o compartilhamento de informações sobre o quão perigoso seria um alimento, também é bastante inadequado. Isso porque a falta de conhecimento e, em função das preferências naturais ou ideais do ser humano, podem transformá-lo rapidamente em “herói ou vilão”.
Mesmo alimentos frescos e naturais, se malconservados ou mal lavados, podem nos causar algum tipo de infecção ou contaminação. Mas não podemos condenar a fruta ou o legume por isso, correto?
Da mesma forma, o processamento industrial exige uma gama enorme de conhecimentos, tecnologias inovadoras que permitem além de uma adequada conservação, o melhoramento de sabor, textura, disponibilidade de nutrientes, possibilitando inclusive a substituição de alguns componentes, não adequados a certas doenças.
Então o alimento pode ser veneno?
Alimento nunca é veneno. Tenhamos isso em mente.
Indo além, na abordagem sobre a segurança de alimentos, sejam eles produzidos pela agricultura familiar ou pela indústria, é inegável o reconhecimento do rigor da legislação alimentar brasileira que é reconhecida internacionalmente.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tem como papel fundamental a promoção da saúde da população, utilizando sua prerrogativa de intervir quando há riscos provenientes da produção e do uso de produtos de forma inadequada. Na busca de alinhamento técnico, a ANVISA adota práticas, princípios e padrões de regulamentação aplicados internacionalmente, o que chamamos de convergência internacional.
Um exemplo é sua atuação em vários comitês do Codex Alimentarius, que é um programa conjunto da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação/Organização Mundial da Saúde (FAO/OMS) criado em 1963.
Vamos lembrar do papel importante que a Anvisa assumiu durante a pandemia de Covid-19 e tratou o tema com seriedade e profissionalismo. É essa mesma agência que determina o que é, ou não, seguro para ser comercializado como alimento no Brasil.
A vida antes dos adoçantes
Para complementar e exemplificar minha fala, podemos abordar um tema bastante conhecido de todos que é o de adoçantes de mesa, elaborados à base de edulcorantes, que são substâncias extensamente estudadas e aprovadas pelo JECFA - Comitê de Especialistas administrado conjuntamente pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação e pela Organização Mundial da Saúde.
Quando me formei, não existiam no Brasil alimentos substitutos para o sabor doce, nem refrigerantes diet e outros alimentos hoje comumente encontrados. Mesmo os adoçantes de mesa eram restritos e muito caros. Quem desenvolvesse diabetes, deveria simplesmente parar de consumir doces. Aqui entra o que falamos da importância do alimento como fonte de prazer e de relações sociais, pois, para essa pessoa participar de uma refeição entre amigos ou ir a uma festa, era uma verdadeira dificuldade, pois havia a sensação de exclusão.
Com o tempo, a indústria apresentou novas opções de adoçantes que, por consequência, foram se tornando mais acessíveis ao consumidor. Como avanço, surgiram outras opções ou a mistura desses, permitindo a elaboração de preparações e adaptações a situações especiais, como as que requerem aquecimento (ideais para culinária) e outras para temperaturas mais baixas (sorvetes).
A sociedade passou a ter em suas mãos a possibilidade de escolher entre a utilização do açúcar e diversas opções de adoçantes, ou mesmo optar por não adoçar suas preparações preferidas. Liberdade e direito do consumidor respeitados, com total segurança garantida pela Anvisa e organismos internacionais ligados à área da saúde.
Por fim, fica uma menção à Associação Nacional de Atenção ao Diabetes (ANAD), que teve importância fundamental nesse processo, pois é formada e direcionada ao grupo de pessoas que mais se ressente da falta de ingestão de alimentos adoçados. Ela, melhor do que ninguém, entende as dores e dificuldades do paciente com diabetes.
Retomando o início do texto, sem a intenção de aprofundamento no assunto, trouxe minha visão de como devemos evitar radicalismos e temas muito “quentes” quando se trata de alimentação e trazer um olhar mais amplo, humano e histórico ao tema que faz parte da base da vida biológica e social da humanidade.
Por Kathia Schmider, nutricionista e coordenadora técnica da ABIAD – Associação Brasileira da Indústria de Alimentos para Fins Especiais e Congêneres