Conforme pesquisas do SEBRAE, ABRASEL e outras instituições, cerca de 70% dos locadores consentiram ou foram obrigados judicialmente a reduzir alugueres durante o período de lockdown, em que muitos estabelecimentos foram obrigados a fechar suas portas. Agora, estamos passando por fase de transição, ao que parece segura, mas demorada, em direção à normalidade. Muitas restrições persistem. Ainda faltam meses para a abertura total dos comércios. Até mesmo o medo de contaminação afetará a economia e a sociedade sabe-se lá por quanto tempo.
Por outro lado, 80% dos consumidores afirmam ter perdido renda ou emprego ou têm medo de que isto lhes aconteça; mais de 70% têm receio de adentrar lojas, restaurantes, cinemas; grande parte dos trabalhadores continuam em home office, as famílias estão com alto índice de endividamento; ainda há muita insegurança na sociedade.
Nessa realidade, é evidente que os estabelecimentos do comércio continuarão a sofrer com déficit nas contas de receita e despesas, com a fragilidade econômica, com o risco de fechar as portas definitivamente; os que conseguiram empréstimo ou deixaram de pagar impostos na pandemia terão que saldá-los mais à frente.
Não há motivo, pois, para os locadores considerarem que os alugueres devem voltar a ser pago como previstos em tempos de normalidade, antes da pandemia. Pode-se até discutir novas mudanças com redução dos descontos que foram negociados, mas não a volta à normalidade, pois, no mercado e na economia, a anormalidade continua, tanto como a pandemia.
Sendo assim, justifica-se a redução de alugueres, ainda que em menor valor, na busca do equilíbrio contratual, da sobrevivência do locatário, tendo em vista as finalidades sociais do contrato, e da boa-fé e solidariedade que se devem as partes, locador e locatário, e de suas responsabilidades com a sociedade.
Os alugueres nas grandes cidades costumam comprometer mais de 4% do faturamento mensal dos negócios. Um ponto comercial em shopping ou local privilegiado, onde é maior o trânsito de pessoas, ou a renda mais elevada, pode ultrapassar 14%. Pequenas empresas, como em geral são as do comércio, não suportarão alugueres previstos em tempo de normalidade.
A situação calamitosa causou desequilíbrios insuportáveis; trata-se, pois, em direito, ao que chamamos de força maior, evento imprevisto, que gera onerosidade excessiva e etc.
Os efeitos da pandemia, se não houver recidiva, irão acabando aos poucos, mesmo que surja a vacina milagrosa. Todos temos obrigação de colaborar uns com os outros para curarmos as feridas. Equilíbrio do contrato é importante para as partes, para a economia e para a sociedade em geral.
Essa evolução se dará em recessão, cuja gravidade é difícil de prever. Mas é justo que os contratos acompanhem essa evolução, mantendo dinamismo e equilíbrio.
Isso resultará em situações difíceis de equacionar. Será um problema para as partes calcular o aluguel nas locações feitas no período, mesmo para novos contratos, ou nas ações renovatórias e revisionais (é possível alterar os alugueres dos contratos quando houver desequilíbrio, após três anos de contrato). Os aluguéis atuais estarão reduzidos pela grande oferta de pontos comerciais, mas aos poucos irão adentrando à normalidade. Pela lei, os reajustes deverão ser feitos uma vez por ano.
Se argumentos razoáveis não sensibilizarem o locador, a locatária poderá ir à Justiça e caberá ao magistrado, com auxílio de um possível perito indicado, a difícil tarefa de, em situação instável, mutante, arbitrar o aluguel, que deverá ser fixo. Tal missão é mais difícil ainda nas ações renovatórias, onde a decisão deve estabelecer um aluguel para os próximos cinco anos. Com muita probabilidade, a decisão levará em conta a situação movediça que nos encontramos, e é muito provável que o locador poderá sair perdendo, pois o aluguel do primeiro ano será compatível, mas se retomarmos o desenvolvimento, ele será inferior.
O locador deve levar em conta, ainda, que pode perder o locatário se o aluguel arbitrado pelo magistrado não for compatível com suas possibilidades econômicas. Bons pontos comerciais, esvaziados no começo da pandemia, continuam à procura de locatários e entendemos que muitos outros ainda ficarão vazios, e o proprietário ficará sem receber nada como aluguel e tendo, ainda, que pagar IPTU.
Convém advertir, no entanto, que o fato de o locatário ir a Juízo para manter reduzido o aluguel, não impede o locador de propor ação de despejo. Também pode o locador, quando o ponto não é protegido com contratos feitos por cinco anos, exigir o prédio de volta no término do prazo de locação. Assim, é sempre bom ponderar se vale a pena correr o risco, de no final, perder o ponto comercial. Evidente que o melhor para ambos é negociar cansativamente, tentando chegar a um acordo.