A indústria alimentar brasileira enfrenta desafios e busca soluções para impulsionar a reciclagem e promover a sustentabilidade. Veja quais transformações estão acontecendo no mercado hoje
A urgência em abordar a questão da reciclagem na indústria torna-se evidente diante das preocupantes estatísticas que revelam a atual situação no Brasil. Com uma taxa de reciclagem em torno de 4% (segundo dados da Abrelpe), que se mantém aquém das expectativas, (é fundamental compreender as implicações desse cenário para a sustentabilidade industrial e ambiental do país.
Este panorama instiga reflexões sobre as estratégias necessárias para impulsionar a reciclagem na indústria alimentar, em que embalagens desempenham papel crucial. A seguir, exploraremos não apenas os desafios enfrentados, mas também iniciativas promissoras que indicam um caminho rumo à sustentabilidade no segmento alimentício.
Qual é a taxa de reciclagem no Brasil?
Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), a taxa de reciclagem no Brasil em 2022 - ano do último estudo divulgado - era de apenas 4%. Isso significa que a cada 100 kg de resíduos sólidos que poderiam ser reciclados, apenas 4 kg entram de fato na cadeia da reciclagem.
A estimativa do Ministério do Meio Ambiente (MMA) é ainda mais pessimista. Segundo o site do Sistema Nacional de Informações Sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (Sinir), desenvolvido e gerido pelo MMA, o Brasil recicla atualmente apenas 2,2% dos resíduos sólidos urbanos. Esse é um número muito baixo.
Ao compararmos o Brasil com outros países no mesmo grau de desenvolvimento econômico, como China, Argentina e África do Sul, notamos que a taxa brasileira é de 4 a 7 vezes menor. Esses países reciclam cerca de 16% dos seus resíduos, de acordo com dados da International Solid Waste Association (ISWA).
Em comparação com países desenvolvidos, a diferença é ainda mais gritante. A Alemanha, por exemplo, recicla 67% dos resíduos.
O Ministério do Meio Ambiente possui um Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares), instituído por meio de Decreto em 2022. O plano visa traçar objetivos, diretrizes, estratégias e ações para melhorar a gestão dos resíduos sólidos no Brasil.
Algumas metas traçadas pelo documento são o encerramento de todos os lixões em território nacional e o aumento da recuperação de resíduos para cerca de 50% até 2042, por meio de reciclagem, compostagem, biodigestão e recuperação energética.
Um importante avanço no setor é a PL 4035/21, que visa eliminar os impostos PIS e Cofins da cadeia de reciclagem na venda de produtos às indústrias.
A iniciativa de desoneração visa diminuir o custo dos produtos reciclados, incentivando a circularidade, principalmente na cadeia do plástico. Ainda há um longo caminho a ser percorrido até que a PL possa se tornar uma lei, mas as expectativas do setor aumentam em vista da medida, em prol do crescimento da sustentabilidade industrial.
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Como a reciclagem pode beneficiar empresas?
Quando a reciclagem na indústria é implementada, ela traz muitos benefícios para empresas e sociedade, já que ajuda a preservar o ecossistema, reduzir os custos de produção e beneficiar a reputação das marcas.
Além disso, garante a conformidade com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), uma lei em vigor desde 2010 que exige transparência do setor público e privado em relação à gestão de resíduos e gerenciamento de detritos.
A PNRS funciona com base na Política dos 5 Rs: Reduzir, Repensar, Recusar, Reutilizar e Reciclar. Ou seja, além da reciclagem, existem outras ações que empresas do setor alimentício podem tomar para ficar em conformidade com a Política Nacional.
Os resíduos reciclados são reaproveitados como matéria-prima para novos produtos, evitando a produção de ainda mais lixo. Como resultado, a reciclagem diminui o desmatamento, a emissão de gases do efeito estufa, o consumo de energia e as agressões ao solo, água e ar.
Para a indústria, há também uma vantagem financeira. Com o uso de material reciclado, o custo da aquisição de produtos in natura diminui. Muitas vezes, o custo de adquirir materiais reciclados é mais barato. Algumas iniciativas governamentais, como a PL 4035/21, visam reduzir ainda mais o custo dos produtos da reciclagem através da desoneração desse setor.
A busca por sustentabilidade na indústria também tem um benefício poderoso na construção da reputação e da credibilidade das empresas. O consumidor moderno, especialmente das gerações mais novas, está mais propenso a consumir de marcas que demonstram preocupação com os problemas ambientais e sociais da comunidade onde estão inseridas.
Investir em reciclagem demonstra não apenas que a sua marca está preocupada em mitigar danos causados ao meio ambiente, como também é uma forma de contribuir para a sustentabilidade social do negócio.
A indústria da reciclagem tem potencial para gerar 4,8 milhões de empregos na América Latina até 2030, segundo um relatório conjunto da Divisão de Desenvolvimento Econômico da Cepal e do Escritório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para o Cone Sul da América Latina.
No Brasil, são atualmente 800 mil pessoas empregadas no setor, segundo o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR).
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Reciclagem na Indústria Alimentar: histórias de sucesso e desafios
Logística reversa na indústria
A eureciclo, maior operacionalizadora de logística reversa no Brasil, informou que as empresas do setor de alimentação representam 32% dos seus clientes, tendo reciclado mais de 256 mil toneladas de resíduos desde 2016. O volume de reciclagem do setor cresceu: em apenas dois anos, entre 2020 e 2022, o crescimento total passou de 256%.
Grande parte desse montante vem das embalagens dos alimentos, itens fundamentais para a indústria alimentícia. Afinal, são as embalagens que protegem os alimentos até que eles cheguem ao consumidor final e garantem a segurança de alimentos, evitando contaminações e desperdícios.
Vale lembrar que muitas embalagens são utilizadas durante a cadeia produtiva de um alimento, desde as fazendas, lavouras e criadouros até o consumidor final.
Após o consumo, muitas dessas embalagens acabam em locais errados e, por esse motivo, operações de logística reversa por parte das indústrias são tão importantes.
A eureciclo é uma das iniciativas que oferecem soluções para empresas de diversos segmentos, através de tecnologias de rastreabilidade e blockchain.
As empresas parceiras recebem selos em troca de um investimento revertido para cooperativas de reciclagem – o que incentiva o crescimento do setor.
Um caso de sucesso de reciclagem na indústria alimentar é da Jasmine, produtora de alimentos que anunciou à imprensa em 2022 que pratica a compensação ambiental de 100% das suas embalagens através da parceria com a eureciclo.
“O empenho e a diligência em aplicar ações sustentáveis é contínuo e progressivo. Em 2021, criamos o Comitê Interno de Sustentabilidade para liderar a transformação dos nossos processos internos e externos em procedimentos mais ecológicos, e assinamos um acordo de cooperação com a OIT, MPT e o Pacto Global da ONU estabelecendo responsabilidade coletiva, com a qual a empresa terá comprometimento em ajudar a melhorar as condições de trabalho e a cadeia produtiva da castanha-do-pará”, afirmou a gerente de marketing da Jasmine, Indra Marianna Adimari.
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Uso de plástico reciclado em embalagens
Em 2020, a Nestlé anunciou um investimento de 2 bilhões de francos suíços para incentivar pesquisas na evolução de plásticos virgens para plásticos reciclados, buscando soluções inovadoras e seguras para serem utilizadas como embalagens de alimentos. A meta da empresa é tornar 100% das suas embalagens recicláveis e reutilizáveis até 2025.
“Tornar o plástico reciclado seguro para os alimentos é um enorme desafio para a nossa indústria. É por isso que, além de minimizar o uso de plásticos e fortalecer a coleta de resíduos, queremos fechar o ciclo e tornar mais materiais plásticos infinitamente recicláveis”, afirmou o CEO da empresa, Mark Schneider, em nota divulgada à imprensa.
Apesar das restrições nos materiais reciclados que podem ser utilizados para embalagens de alimentos, a Hellmann’s já conseguiu viabilizar 100% das suas embalagens feitas de material reciclado. Os frascos são feitos com proporções que variam entre 20% e 100% de PCR (resina pós-consumo).
“O uso de plástico 100% reciclado nas embalagens de Hellmann’s representa um grande passo em direção a um futuro mais sustentável. Estamos orgulhosos do que já conquistamos até agora e animados para expandir ainda mais o uso de uma matéria-prima que seria descartada, mas, que agora, volta para a cadeia de produção e ganha uma nova chance", explica Carolina Riotto, Diretora de Marketing de Hellmann’s.
Desafios
Apesar dos avanços, o setor alimentício ainda encontra desafios para utilizar materiais reciclados nas suas embalagens. Alguns setores da indústria, como os segmentos de beleza, eletrônicos e varejo, já têm acesso a diversas possibilidades de uso de embalagens de plástico recicladas, a fim de reduzir o seu impacto ambiental, mas, para a indústria alimentícia, o caminho é mais longo e exige autorizações e regulamentações extras.
Neste sentido, para alavancar a reciclagem na indústria alimentar, é urgente que instituições como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desenvolvam um arcabouço regulatório estruturado a fim de oferecer ao setor alimentício o acesso a embalagens seguras desenvolvidas a partir de materiais reciclados.
Atualmente, é permitida a utilização do poliéster pós-consumo (PET PCR), mas outras alternativas de materiais, como o polietileno reciclado, representariam um passo importante para a indústria alimentícia no quesito reciclagem.
Rumo a uma indústria sustentável e comprometida com a reciclagem
Diante dos baixos números de reciclagem no Brasil, torna-se inegável a urgência em implementar mudanças significativas no cenário industrial.
A indústria alimentar, em particular, enfrenta desafios específicos, notadamente no que diz respeito às embalagens, elementos cruciais para a preservação dos alimentos.
Histórias de sucesso, como a parceria entre a eureciclo e a produtora de alimentos Jasmine, evidenciam o potencial transformador da reciclagem. No entanto, desafios persistem, especialmente no acesso a embalagens seguras e regulamentadas feitas a partir de materiais reciclados.
A reciclagem na indústria, especialmente na alimentar, não é apenas uma responsabilidade, mas uma oportunidade para contribuir significativamente para a sustentabilidade do planeta.
À medida que percalços são enfrentados e iniciativas promissoras são ampliadas, vislumbramos um futuro onde a indústria brasileira não só atende às expectativas internacionais, mas se destaca como um exemplo de comprometimento com a reciclagem e a sustentabilidade industrial.
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